28 janeiro, 2010

TARANTINO


Assisti, algumas semanas antes de assistir à “Bastardos Inglórios”, ao filme “À Prova de Morte”.

Nesse filme, Tarantino da uma previa do que viria a fazer com Bastardos, em termos de roteiro.

Refiro-me ao fato de que ambos os filmes se fundamentam em algo que vai alem do que se vê nas telas. Você não tem, nessas duas produções, um índice de qualidade medido pela competência narrativa, mas sim por algo prévio à ela, que vem a ser a fama de Tarantino.

De modo algum duvido da capacidade de Tarantino, enquanto diretor, mas sua habilidade ou, talvez, vontade de escrever, competentemente, vem sendo sobreposta por uma apreciação demasiada de seu estilo de filmagem e mise em scène, por parte de seu publico.

Acredito, então, que essa admiração que recebe por parte do espectador, mesmo sendo um fator externo, influenciou Tarantino a preocupar-se imensamente mais com uma boa qualidade técnica, visual e, por fim, estilística do que com pressupostos narrativos.

Não digo que em seus últimos filmes Tarantino não seja capaz de estruturar harmonicamente os elementos do enredo e contar uma historia como deveria. O problema é que ele vem fazendo, em termos de narração, o famoso água com açúcar, e enganando o publico à pensar que aquilo que vêem é algo épico, quando na verdade é uma bela montagem de imagens, que sem duvidas ajudam o roteiro, mas que tem como papel fundamental, mascarar a bobagem narrativa que se apresenta.

Digo, as atuações, em ambos os filmes são primordiais, a arquitetura das cenas é perfeita, tudo é muito bem montado. Mas em termos de narrativa temos algo muito primário, é, de certa forma, superficial.

Ainda mais, no caso de Bastardos Inglórios, o que levanta o moral do filme é a temática e o pressuposto de uma vingança contra o regime nazista, afinal de contas, por quanto tempo a humanidade não esperou pra ver a cara de Hitler sendo desfigurada?

Acontece que isso é, também, uma grande bobagem. Infelizmente, Hitler morreu por suas próprias mãos, com seu orgulho intacto. Infelizmente não houve um grupo de justiceiros capaz de botar fim ao regime nazista, no melhor estilo rock n’ roll americano. E, infelizmente, Tarantino vem se tornando um grande mágico canastrão.

Como disse, ele conquistou seu publico com filmes competentes e admiráveis como “Cães de Aluguel” e “Pulp Fiction”. Quando mais, como roteirista, já provou que tem capacidade há muito tempo, vendendo seus roteiros para Tony Scott e Oliver Stone filmarem, respectivamente, “Amor à Queima Roupa” e “Assassinos Por Natureza”.

O problema é que ele descobriu que a Indústria Cinematográfica americana não demanda qualidade narrativa. O fetichismo da mercadoria apela ao sentido visual do espectador, e a estética das produções de Tarantino faz, por si só, o trabalho todo.

Em À Prova de Morte, o que vemos é uma historia linear sem uma grande catarse, a não ser pela apelativa cena em que o vilão, protagonista, é espancado até a morte por um grupo de mulheres que finalmente se vinga das coisas que ele fez. Enfim, em termos narrativos é o mesmo filme que Bastardos Inglórios. No que diz respeito à estética, é o mesmo filme que Bastardos Inglórios. Enfim, mudando apenas a temática, se você viu um, você viu o outro.

O melhor a fazer agora é sentar e esperar que Tarantino recupere, algum dia, a forma. Melhor dizendo... o conteúdo!

27 janeiro, 2010

Um Dia Muito Especial & A Vida Dos Outros

Nas ultimas semanas assisti a uma parte da obra de Ettore Scola, dentre alguns filmes que vi figurava “Um Dia Muito Especial”, coincidentemente, alguns dias após ter visto este filme, assisti à produção alemã “A Vida dos Outros”. Aqueles que já viram, ou ao menos sabem do que se tratam essas duas obras já devem ter uma idéia do paralelo que tento estabelecer aqui.

Apesar de estarem em contextos distintos, bem como de terem sido produzidos em dois períodos distintos, ambas as obras que mencionei tratam essencialmente de um tema em comum: a vida dos homens sob a vigilância de um regime ditatorial.

Na obra de Scola, a historia toda se passa em um dia, girando em volta de uma relação que se forma entre, uma devota mãe de família, e seu vizinho, um radialista homossexual, tudo isso sob o contexto da Itália fascista na 2 G.M. Toda a estrutura do filme é muito bem formatada, de tal maneira que cada elemento de qualquer cena funciona a favor do roteiro e da idéia geral do filme. A arquitetura do conjunto em que moram os personagens de Marcello Mastroianni e de Sophia Loren, por si só, é um achado, tão somente por justificar o encontro dos dois, quando mais, alem disso, por fortalecer a idéia de que naquele regime não há privacidade, de modo que, ali, moram dezenas, talvez até centenas de famílias, todas dividindo informações e opiniões a respeito umas das outras. Assim sendo, Scola trabalha a idéia de que população é o próprio órgão vigilante daquele regime, tendo na figura da zeladora do conjunto sua maior representação simbólica. Uma atenção, ainda a respeito da figura da zeladora, merece ser dada, ela é aquela que cuida da vida de todos e sabe o que se passa em cada apartamento, de modo que naquela pequena comunidade dentro do grande regime fascista todos, de certa forma, devem prestar contas à ela, um bom exemplo disso é quando ela questiona a personagem de Sophia Loren por não estar indo ao grande desfile. Um dos elementos do filme que possibilita o encontro dos personagens é o pretexto de que naquele dia Mussolini receberia publicamente o chefe nazista Adolf Hitler, pretexto esse que só fortalece a trama.

É ainda esse desfile que leva todos os moradores do conjunto, inclusive a extensa família de Antonietta (Sophia Loren), a sair às ruas deixando-a sozinha em seu apartamento, com a desculpa de que ficara para arrumar a casa. Enquanto arruma a casa, no entanto, o papagaio de Antonietta foge e vai parar na janela ao lado do apartamento de Gabriele (Marcello Mastroianni). Ela, então, vai até o apartamento de Gabriele e pede por ajuda. Deprimido, e sem esperanças futuras, Gabriele vê em sua recém-conhecida vizinha uma oportunidade de desabafar.

Mais tarde, o filme justifica a desesperança de Gabriele num dialogo em que ele conta que acabara de ser demitido da radio em que trabalhava, pelo fato de ser homossexual.

Começa, então, uma relação intensa, que dura apenas um dia, mas que é uma espécie de ponto de virada na vida dos dois. Cada momento que eles passam juntos, cada conflito e entendimento entre eles é uma espécie de catarse que ao final daquele dia terá os mudado de alguma maneira. Importante mencionar, aqui, que a personagem de Sophia Loren é, em palavra, uma fiel seguidora do regime fascista, mas logo de inicio,no filme, seu olhar cansado e o fato de não ter ido ao desfile já entregam sinais de que sua devoção não é mais tão concreta, esperando apenas algum motivo e alguém com quem possa externar isso. Ela encontra em Gabriele, então, esse porto-seguro, distante de sua rotina devota à família e ao Estado e mesmo que não abandone sua vida após o encontro com Gabriele, algo nela está profundamente abalado. Ele, no entanto, tem na exaustão de sua vizinha a ínfima esperança de que aquele regime vá um dia acabar, mas enquanto isso, ele aguarda em outro lugar, fora de sua terra.

Um importantíssimo elemento é a sonorização, devido ao fato de que durante o tempo todo do filme, escutamos o canal de radio fascista ecoar pelo conjunto e descrever forçosamente todo o desfile para os dois. Ainda assim não é algo incomodo, é como se eles estivesse anestesiados, amortecidos e impassíveis àquilo, devido aos anos de repressão.

A beleza da analise critica desse tempo é, enfim, a mesma que encontramos no filme do diretor Florian Henckel von Donnersmarck. A capacidade de analisar um regime é com certeza mais fácil quando se esta fora deste regime, e ainda que Scola e Donnersmarck tenham vivido, cada um sob o regime que discorrem, respectivamente, ambos tiveram o tempo como fator de separação desses regimes, o que os permitiu fazerem obras coerentes sob um aspecto critico razoável e baseado em fatos analisados, reforçados ainda pela própria experiência vivida.

Em “A Vida dos Outros” temos, de certa forma, a mesma relação entre duas pessoas, que temos na obra de Scola, aqui, um agente do estado da Alemanha Oriental vigia um famoso escritor suspeito de conspiração. Assim como a personagem de Sophia Loren em “Um Dia Muito Especial”, o agente é, em palavra, devoto do regime, mas algo nele esta abalado, e a “convivência” que passa a ter com o escritor por meio de escutas colocadas na casa dele, vai o tornando cada vez mais simpático às idéias reacionárias, de modo que ele passa a ajudar silenciosamente seu vigiado.

Ambos os filmes são de uma beleza e importância fascinante, eles figuram, com certeza, entre as grandes obras que retratam com precisão os horrores e a impiedade de um regime ditatorial e a importância de estar sempre atento à impedir que isso venha a se repetir na historia, ainda que irremediavelmente vá continuar a se repetir.

Não há como não mencionar, ainda, que em ambas as obras, as atuações dos protagonistas, bem como dos personagens secundários são impecáveis e retratam, com precisão, a passividade e impotência dos cidadãos frente um regime massacrante. Você tem nas expressões de cada um dos atores, das duas obras, a fisionomia do ser humano como uma figura obsoleta e útil somente aos propósitos do estado.

Trata-se, enfim, de duas produções essencialmente iguais, no âmbito da temática, e que propõem uma prevenção à futuros acontecimentos similares.

Indispensáveis!

26 janeiro, 2010

O Homem Urso



Bom, após algum tempo sem postar, eu retomo o blog.

Assisti ao filme “O Homem Urso”, do diretor Werner Herzog. O documentário, do cineasta alemão, narra a historia de Timothy Treadwell, um homem que dedicou os últimos 13 anos de sua vida a visitar anualmente um parque nacional no Alasca, habitado por ursos, até o dia de sua morte por um velho urso, em 2003.

Aqui, Herzog tem, na figura principal de seu filme, uma personagem que, em vida, validou um discurso sobre a qualidade e postura do homem pós-moderno, de modo que o diretor se vale das gravações documentais feitas por Timothy, em meio à selvagem vida nas reservas florestais do Alasca, para formular seu próprio discurso à respeito da natureza do homem.

Ao que se percebe pela obra conjunta do diretor, o que concerne uma discussão a respeito da mentalidade humana o interessa muito, vide que de uma maneira ou de outra, seus filmes sempre tratam desse assunto, sendo, talvez, o mais clássico deles, a produção de 1974, “O Enigma de Kaspar Hauser”. No personagem de Kaspar Hauser, Herzog encontra o mesmo potencial narrativo que encontra em Timothy Treadwell, com a mesma essência argumentativa, ainda que, diferente de “O Homem Urso”, na obra de 1974 ele realize uma obra de ficção a partir de fatos relatados.

É com excelência que, Herzog, seleciona as gravações de Timothy, intercalando-as com entrevistas de pessoas próximas ao personagem, desde seus pais até o homem que deixou à ele e à sua namorada no campo do Alasca onde viriam a morrer atacados por um urso. As entrevistas, bem como as gravações feitas por Treadwell, vão, ao decorrer do filme, delineando traços da personalidade de Timothy, o que leva o espectador a entender a razão de ter escolhido viver daquela maneira.

Treadwell, como o apresentam seus pais, era, tipicamente, um comum garoto norte-americano, que aos poucos, ao que a narrativa de Herzog faz entender, por fatores, aparentemente, internos e externos à sua persona, fora desenvolvendo distúrbios psicológicos. Alguns de seus colegas, ainda, em entrevistas à Herzog discorrem sobre como ele enfrentara problemas de relacionamentos durante a sua juventude. Alinhados todos os pontos fornecidos, entendemos que Treadwell é aquela pessoa que sofreu a brutalidade do mundo pós-moderno e, involuntariamente, rompeu com essa sociedade. Sua válvula de escape, então, foi a natureza, ele encontrou na natureza selvagem um mundo de coisas harmônicas e perfeitas, onde todos podem viver felizes e despreocupados. O único problema, na verdade, como a própria retórica do filme conclui, é que Treadwell não encontrou na natureza um lugar harmônico e perfeito, ele se iludiu com tal lugar, criando uma natureza própria e fantástica fora da realidade das coisas. Em algumas das gravações feitas por Timothy, e selecionadas por Herzog justamente à apontar a ilusão de seu personagem, vemos ele confrontado com a real brutalidade da natureza selvagem, quando, por exemplo, encontra um crânio de um bebê urso que serviu de comida para seus pais, ou em outro momento, quando encontra uma pata de filhote e comenta que alguns ursos machos matam o filhote para que a fêmea possa acasalar novamente. Nesses momentos, a realidade ilusória de Timothy é quebrada e vemos uma figura desesperada florescer por meio de gestos e atitudes exageradas e tristes, Timothy chora, xinga, grita e arranja uma desculpa para amaldiçoar o homem, culpando a humanidade por todo o mal causado à natureza. O que Timothy não percebe é que a brutalidade e atrocidade são próprias da natureza, e que o progresso do homem, através da razão, quando não há empecilhos, é um distanciamento dessa ferocidade selvagem. Ainda assim, apesar de todo nosso progresso, a estrutura de nossa sociedade atual, ainda hoje, é a concorrência, e que é, senão, um reflexo da natureza selvagem ainda muito concreto em nós, mas que, acredito, é apenas um processo da humanidade a ser superado, bem como as guerras, e aqui, cito uma frase de Ettore Scola em seu filme “Casanova e a Revolução”: “Podemos viver em tempos de paz agora, mas a guerra pertence aos genes do homem”.

O que filme diz com essa frase é que é natural do homem lutar por seus objetivos, e que o caos e a brutalidade são próprios de nós, mas penso que um equilíbrio há de ser adquirido sempre, pois ainda que a natureza seja um lugar de presa e predador, ela mantém um caos harmônico, que tende sempre ao equilíbrio final. Ainda mais, acredito que com o progresso sócio-intelectual do homem, alcançaremos uma grande distancia dessa natureza primitiva, presente em nós.

Bom, o campo da discussão proposta por Herzog começa a ficar muito amplo, e retorno à figura de Treadwell.

Treadwell é o símbolo da exceção, à regra do progresso humano, ele viu na sociedade mercantil avançada, tão somente, as qualidades primitivas do homem e entendeu que fosse única ao homem essa brutalidade competitiva, e se iludiu, acreditando que na natureza não encontraria nada disso, senão beleza, quando na verdade, se temos, ainda hoje, qualidades primitivas é tão somente por nosso, ainda presente, vinculo com essas raízes selvagens. Como Herzog diz, Treadwell cruzou barreiras invisíveis e acreditou que poderia viver em meio à vida selvagem.

Se fossemos fazer um roteiro da vida de Treadwell, desde seu inicio, e baseado nos fatos que Herzog nos apresenta, pensaria termos dois grandes pontos de virada: o primeiro quando ele entende a sociedade em suas qualidades primitivas e se choca à romper com essa sociedade, encontrando na natureza selvagem sua idealização de mundo, e o segundo quando percebe na natureza, aos poucos, suas verdadeiras qualidades brutais, sendo que dessa vez não sobrevive.

Ainda assim, com todos esses conflitos, não há como não admirar e se identificar com a figura de Timothy Treadwell, no sentido em que estamos todos, sempre, muito pertos de romper com nosso próprio universo, frente à brutalidade de nossa sociedade, ainda hoje, tão fortemente mediada por nossos instintos primitivos. É nesse aspecto, ainda, que figura a imensa competência, e brilhantismo narrativo, de Herzog, ao propor a nós uma alusão a nossos próprios anseios diários. Herzog capturou imagens da vida de um homem e fortaleceu o discurso de Treadwell a respeito da natureza do homem, ainda que Treadwell tenha discorrido ingenuamente sobre esse aspecto, tão somente por meio de suas ações, cabendo ao diretor o mérito de ver na vida de seu personagem o potencial para validar seu próprio discurso:

“Treadwell se foi, a discussão a respeito de ele estar certo ou errado desaparece numa distante névoa. O que sobra são suas gravações. E o por que de assistirmos à vida animal em sua felicidade de ser. Em sua graça e ferocidade. Um pensamento, então, se torna mais claro: não é um olhar na natureza selvagem, mas sim um olhar dentro de nós, um olhar a respeito de nossa natureza. E pra mim, isso dá sentido à sua vida e à sua morte.”

Enfim, um filme imperdível.

Nota: 10