24 janeiro, 2011

Quem Matou Jesse James?


E uma lenda viva que padece flerta com a morte. E Jesse James é imortal.

E eu vejo um balé na vastidão do velho oeste. É lá, no distante horizonte, que dois vultos são imagem e sombra.

Em perfeita harmonia, equilíbrio e cadência, um balé que se encaminha para o que é predestinado.

E eu vejo esses distintos vultos, num ambiente próprio para o ostracismo e carente de suas lendas.

Vejo selarem um pacto silencioso, quando a aproximação mais intima é a morte.

Pois quando o herói é falho, resta à morte lhe provar humano. E a morte faz a lenda.

E o tiro pelas costas é muito menos um ato de covardia do que um pacto há muito tempo firmado.

E quando uma bela dança como essa se encaminha ao desfecho final, o estopim da arma busca o aplauso da platéia, que nunca vem.

E é o olhar carente, indefeso e ingênuo que saí ferido e que é tomado por covarde.

E o olhar que faz a lenda é pra sempre esquecido.

09 janeiro, 2011

Bagdad Café


Ao meio de lugar algum, pelo deserto do Mojave, um pequeno café. Por ali, personagens tão distintos e improváveis, que surreais. Surreais como um Magritte.

E é a miséria da rotina que massacra o cotidiano de cada pobre alma que paira inerte sobre a imensidão arrastada de um deserto sem tempo.

Enquanto isso, ferve o sol que traz à mente a loucura. E a pele da negra louca é só suor e a mente é só desespero. E o resto é desamparo.

De onde quer que seja, da Alemanha, vem ao café uma senhora simpática, recém largada pelo marido, no meio da estrada no deserto do Mojave.

E como se fosse um bom filme, invés de uma bela história, uma negra, perdida em seu café ao meio do deserto, cercada de seus dois filhos, seu neto, e alguns hóspedes de seu hotel barato, encontra conforto na improvável estranha vinda de alguma parte da Europa.

E Bagdad Café é uma ilustração das relações humanas, em seu fragmento de mundo, em meio ao deserto do Mojave. E como é improvável o amparo que se encontra no outro quando a falta de perspectiva vai alem do horizonte de um deserto, e a mente ferve, solitária, sob o sol.

E Bagdad Café, em toda sua simplicidade, enigmático como um Magritte.

07 janeiro, 2011

O Pequeno Fogueteiro


Exemplar ao alto. Da esquina, o grito do jovem jornaleiro anunciava a morte do Pequeno Fogueteiro.

Tristes olhos estampados na capa. A manchete confirmava – A CAÇADA CHEGOU AO FIM, PEQUENO FOGUETEIRO É MORTO A TIROS, PELA POLÍCIA -.

Acompanhados de suas senhoras, os cavalheiros lançavam uma moeda ao jornaleiro. E a noticia corria a cidade. A segurança dos nobres era retomada.

Na praça, as crianças reencenavam o ato; armadas de gravetos, cuspiam fogo no gordinho da turma, o pequeno fogueteiro. E como eram tristes os olhos do garoto gordo, em sua morte forjada.

Nada de julgamento, chance alguma ao pequeno fogueteiro. Os olhos tristes e sem vida, que agora estampavam todas as manchetes de jornais, não tiravam juízo da morte, nem tampouco da vida que a antecedera.

Era como se morresse sem entender o motivo. Isso fez a ira de toda a cidade. O modo como o criminoso parecia não reconhecer o crime.

Como o cão que falha em ser obediente, o Pequeno Fogueteiro morria inocente.

Inocentado pelo retrato de seu momento final.

À sua defesa vieram alguns colegas de picadeiro.

Em pequeno palanque, montado na praça central, o mímico ilustrava as palavras do palhaço chorão, que cantava a tristeza do solitário colega, de habito incendiário. Aquela, mais ao canto do palanque, a que chorava tanto, de borrar maquiagem, ex-assistente de Nicolai, nome artístico do Pequeno Fogueteiro, era consolada pelo gigante que lhe acariciava a cabeça, dando a sensação de que fosse esmagá-la como a uma laranja.

E era com laranjas, e maças e repolhos, e ovos e o que mais que fosse, que eram recebidos os amigos do assassino.

E cantavam, ainda assim, em defesa.

Oh, Nicolai,

o Pequeno Fogueteiro, de tardes alegres,

ovacionado pelo publico

que assistia fascinado ao

teu espetáculo

Oh, Nicolai,

de noites solitárias

e olhos d’água

e que coração triste,

e que vida amarga.

E o dia que o Carranca,

sujeito baixinho, bigode fino

e pança larga

te chutou a bunda baixa pra longe do circo amado.

O coração triste

não sabia do mundo.

Veio à luz por mãe contorcionista,

filho de pai malabarista.

Ainda menor,

já veio filho do circo.

Te faltou rumo,

e teu norte eram teus fogos.

E como voavam aquelas casas,

e como eram belos teus shows pela cidade

capaz de iluminar as noites mais escuras, deste lugar

frio

e duro.

E choviam móveis, e comida

e as casas sem gente

cuspiam tudo pra fora

e lá de longe,

do circo armado nas montanhas,

teu espetáculo era belo, fogueteiro.

Ainda que chorasse, e chorasse

e ah,

como chorava a dona de casa.

Nada como tua luz,

que tudo iluminava.

Teus olhos, sem vida

nada entenderam,

mas teu espírito

e não teu juízo

é que era odioso,

pobre fogueteiro.

06 janeiro, 2011

E o Belas Artes...



Foi em janeiro de 2008, a primeira vez que entrei no Belas Artes. Pela primeira vez na vida, entrava em um cinema de rua.

Tinha ido assistir Paranoid Park. Naquela mesma semana, voltei ao cinema mais duas vezes, para assistir ao mesmo filme.

Ótimo filme, lugar agradável.

Estava de passagem em São Paulo, ficando na cidade só pelo mês de janeiro; mês durante o qual voltei mais algumas vezes ao Belas Artes.

Em 2009, me mudei definitivamente para a cidade e dai, então, são varias as lembranças.

Lembro de Seymour Hoffman brilhante em Synedoche, lembro de alguns mais do mesmo de Woody Allen, lembro, também, de Sophia Loren e Mastroianni, dançando na privacidade de um pequeno apartamento, sob o regime fascista, ou Mastroianni, grotesco, em sua Comilança.

A Infância de Ivan, vi numa cópia terrível, mas ainda assim, vi Tarkovsky em um cinema, vi no Belas Artes.

Lembro de tantos ônibus que peguei na Angélica, sob chuva, e desci na Consolação, à porta do cinema. E o povo todo se espremia dentro do saguão, longe da chuva. Alguns apenas se refugiando. Outra grande maioria, esperando a sessão começar.

Lembro de reclamar das duas salas que tinham suas fileiras, todas, no mesmo nível.

Não lembro, jamais, de reclamar da programação.

Se tinha medo que um filme de exibição rara, possível somente no Belas Artes, fosse esgotar, chegava umas duas horas antes da sessão. Tomava um café no balcão e lia alguns artigos no mural de jornais.

E assim são as coisas.

Como no filme de Van Sant, aquele que foi meu primeiro no Belas Artes, de cenas belas, suaves e contemplativas, o Belas Artes, que logo não será mais, ficará na memória dessa mesma maneira; um lugar onde se podia contemplar, suavemente, a raridade que é o bom cinema.