09 abril, 2011

Adeus a Lumet


A morte de nossos cineastas, a lembrança da carreira.

A de Lumet, prolífica e inesquecível. Morreu hoje, aos 86.

Aos 33, sua primeira obra de arte foi um memorável tratado sobre alguns raros homens de bem tentando se impor em meio à barbárie da indiferença humana.

12 Homens e Uma Sentença é a sala claustrofóbica e opressiva que inspira o desespero inesquecível na cara de Henry Fonda.

É uma ultima investida na humanidade moribunda do homem moderno e que, com muito fervor e determinação, o personagem de Fonda consegue extrair de dentro de 11 homens esquivos aos problemas alheios.

Seria o primeiro de uma obra essencialmente humana.

O decorrer da carreira foi sempre um empenho em dialogar o homem com sua posição trágica, melancólica, sádica, irônica, revoltante e, por tudo isso, sempre bela.

Em sua maioria, são filmes sobre os homens do cotidiano, levados ao desespero por uma rotina da indiferença e da falta de um propósito digno de vida, como o é Kafka.

O empenho desses homens em pequenas revoluções particulares são o que levam seus filmes a conflitos memoráveis e catarses antológicas.

Vide a inesquecível cena de Rede de Intrigas onde o desespero humano nesse mundo cão se banaliza no espetáculo da mídia mas, ainda assim, representa uma revolução pessoal para cada pessoa que endossa o grito de Peter Finch: “ I`m as mad as hell, and I`m not gonna take this anymore”.

A beleza natural que emana, frame a frame, em cada um de seus filmes, é a da alma humana que se exprimi a cada dialogo e a cada ação por ele elaborados.

Um Dia de Cão, Serpico, Assassinato no Expresso Oriente, O Peso de Um Passado, Equus, Negócios de Família.

Todos tem em comum um retrato em particular.

Antes de retratos primorosos sobre o ser humano, são o reflexo de um homem que, como poucos, soube entender e falar do ser humano.

E como não comentar o ser humano que ele conseguiu extrair e fazer vivo, em cena, através de cada ator com quem trabalhou. Performances tão únicas e jamais reprisadas.

Peter Finch, Faye Dunaway, William Holden, Sean Connery, Dustin Hoffman, Al Pacino, River Phoenix, Robert Duvall, Phillip Seymour Hoffman, Christine Lahti e Richard Burton, pra falar de poucos.

Soube fazer homens e mulheres de cada um deles, no sentido mais essencial das palavras, sem temer, jamais, virtudes ou vícios.

Por tudo isso, ficará impresso em nossas memórias, a cada vez que assistirmos ou revermos uma de suas obras, uma pequena e encantadora peça do mosaico ímpar que foi sua carreira.

Uma carreira capaz de nos lembrar de nossas próprias questões humanas, geralmente encostadas entre uma pilha de papéis numa velha cômoda empoeirada.

Fire and Rain, Lumet.


(Texto re-publicado) Original: 19 de dezembro de 2010.


É uma suave noite de verão em alguma cidade qualquer ao sul dos Estados Unidos. Uma família comum, pai, mãe e dois filhos jantam acompanhados pela namorada do filho mais velho.

É uma cena simples. A cozinha e a sala de jantar estão em quadro. Afamília começa a retirar a mesa.

Enquanto fazem isso, o pai entoa “Fire and Rain”, canção de James Taylor. O canto solitário logo se transforma num coral e a musica embala a dança de toda a família. O filho mais velho dança com a mãe, enquanto o pai dança com a namorada do filho, logo trocam e o caçula dança com os pais enquanto o jovem casal se vê num primeiro momento de intimidade encabulada.

James Taylor acompanha as vozes que cantam apaixonadas, de uma sala de jantar, em uma casa qualquer de uma pequena cidade ao sul dos Estados Unidos.

Uma cena das mais simples, de poucos recursos técnicos ou estéticos. Ainda assim, uma cena de inconcebível dramaticidade. A típica família americana, em retrato, é na verdade uma família foragida da justiça, por um ato de vandalismo cometido pelos pais, anos antes.

Sempre em fuga, a nenhum dos filhos é dado o direito de criar afeto com o mundo. Por erro dos pais, devem sempre estar desapegados a qualquer coisa que os impeça de fugir.

A namorada em cena é o primeiro laço afetivo que um deles consegue criar. A cena do jantar, nesse contexto, tem um peso enorme. É, de certa forma, o confronto dos pais com a realidade de que terão que tomar uma escolha: ou se desvencilham do filho e seguem fugindo sem ele, para que então, ele possa viver uma vida comum ou continuam a fazer o filho carregar o peso do passado deles.

A primeira escolha implica em uma forte carga emocional para a família, uma vez que nunca mais voltariam a ver o filho, mas com genialidade essa decisão é retratada pelo simples ato do pai ceder a mão da namorada ao filho, durante uma simples dança ao fim de um jantar qualquer.

O filme é O Peso de Um Passado e o diretor é Sidney Lumet. Há pouco me lembrei deste filme e decidi procurar a cena na internet. Já tendo visto o filme antes, me encantei pela segunda vez.

Decidi escrever sobre a cena pelo o que ela representa. É a síntese do bom cinema. Por tudo o que descrevi acima, acho que dá pra entender o valor significativo de uma mera cena de jantar, quando bem contextualizada.

Esse é o tipo de cinema que Sidney Lumet sabe fazer. Em seus filmes a simplicidade fala muito.

Salvo algumas exceções mais recentes, sua carreira é a de um cineasta de respeito. Acho que O Peso de Um Passado, representado nesse texto pela tal cena do jantar, é suficientemente justo como uma representação do que Lumet é capaz.

Mais do que isso, do que o bom cinema é capaz.

Bem, que talvez o texto não tenha valido a pena, a dica vale, assista aos filmes de Lumet.