26 outubro, 2010

Cinéfilos: (A)mostra de Emoções


Ontem tive a oportunidade de reviver um aspecto muito interessante da Mostra Internacional de Cinema, sua capacidade de gerar os mais diferentes sentimentos numa questão de horas.

Correndo pela cidade, de um cinema para o outro, de uma sala para a outra, filme após filme, percebi como estava exausto ao fim do dia.

Exaustão não tão significante pela maratona, quanto pelo turbilhão de emoções que o corpo tem que administrar ao longo do dia.

Do ritmo distintamente contemplativo do cinema norueguês à balburdia italiana registrada freneticamente, passei ontem por três experiências completamente diferentes.

Se no final de semana de estréia do evento comecei num ritmo lentíssimo, assistindo a apenas um filme, ontem eu finalmente entrei nos eixos. Comecei pela manhã com Factótum, do norueguês Bent Hamer, passei a tarde com A Primeira Coisa Bela – aposta italiana no Oscar – e terminei com Uma Casa Para o Natal, também de Hamer.

Quando pela manhã entrei na sala de exibição, alguns minutos após o começo do filme, tão imediatamente me sentei, senti a presença de Bukowski dominar o lugar.

Factótum, adaptação homônima do romance do velho safado, é um filme de excelente gosto. Bent Hamer, mais que diretor, é maestro de uma sinfonia simples, despretensiosa e belíssima em seu caráter de distanciamento observativo.

Matt Dillon, como Hank Chinaski, é tão pesado e presente na tela que chega a ser incrível o modo como, o que considerei a melhor atuação de sua carreira, tenha passado desapercebido por todo o meio crítico.

O filme é uma calma e sóbria homenagem ao velho beberrão – filósofo da desgraça medíocre –.

Saí dele com o espírito rasgado e renovado ao mesmo tempo. A alma e essência de Bukowski, exaladas a cada quadro contemplativo da obra, cospe no espectador o escárnio humano mas também lhe estende a altiveza com que Bukowski aceita e digere o caos fortuito das apostas cotidianas.

Não tive muito tempo pra apreciar o vigor pós-filme, no entanto, pois tão logo saí da exibição já tive que correr pra chegar a tempo no italiano A Primeira Coisa Bela.

Poupo comentários sobre esse filme. Esquecível, apenas. Uma boa história, bons personagens, um ritmo um pouco acelerado demais. É evidente a referencia aos bons filmes italianos, em especial ao cinema de Scola. Ainda assim, confuso e incomodo até certo ponto. Por outro lado, o trabalho de uma mãe vulgar e um filho inconformado é do grau de excelência na representação de Micaela Ramazzotti e Giacomo Bibbiani. Vale a pena por este mérito.

Posso, tão obviamente, dizer que saí leve do filme, sem muito o que pensar, sem muito o que dizer. (Uma pena, poderia ter aproveitado mais os efeitos de Factótum).

Do fim desta sessão, pude tirar um tempo pra respirar, o que me arrependo, no sentido de ter perdido a oportunidade de ver o tão bem falado Abel.

À noite foi a vez de Uma Casa Para o Natal, filme que, pra minha surpresa, era também dirigido por Hamer.

Foi interessante assistir e perceber a qualidade técnica do diretor e seu modo de filmar; calmo e receptivo. Receptivo num sentido de apreciar a ação e aceitar tudo o que é registrado, conferindo, assim, naturalidade à mise en scène e gerando, por fim, um trabalho de representação orgânico.

Ter visto à Uma Casa Para o Natal me serviu de comparativo com Factótum, e assim pude notar essas qualidades essenciais do diretor.

Seguindo essas mesmas qualidades apontadas, o filme retrata as vésperas de Natal de uma série de personagens que vivem numa mesma cidade. O rigoroso inverno norueguês dá lugar ao calor e conforto humano, como o próprio diretor apontou em debate – novamente inesperado – após a sessão.

Abrindo-se com uma cena onde a figura humana é por total diminuída e banalizada, o diretor transcorre por lares e ruas onde histórias distintas dessa mesma cidade se cruzam até o ponto final onde o afeto humano – fraterno – toma seu lugar de volta.

Enfim, me detive por demais aos filme de Hamer. Acontece que a construção de suas histórias e personagens é sublime. Toda uma gama de pessoas distintas recebe e comunica emoções tão próprias quanto a cultura de uma pequena cidade em lugar qualquer da Noruega.

O Natal do filme de Hamer é como a mostra de cinema, um período para se viver os mais variados humores.

Ao fim do dia, sou um condensado de emoções.