23 abril, 2010

A alegoria do 3D!

Vejo um grupo. Dez pessoas. Cantam.

O reverberar – em uníssono – encanta aqueles que passam por perto.

Logo, de dez, são quinze vozes.

O chamado ao ritmo contagia pessoas e mais pessoas.

Quando vejo, todo mundo, até aonde minha vista alcança, canta.

Aqueles que não sabem a letra seguem o coro e lá pela terceira repetição da estrofe, já tem as palavras saltando de suas bocas.

Palavras miméticas.

Da primeira voz a entoar o canto, se inspira o ultimo seguidor da melodia.

Agora, à minha frente, se apresenta um bloco formal, comungam da música e se fazem indivíduos desindividualizados. Um único ser essencial.

A melodia me atrai.

Mas me lembro das prevenções e advertências. Dos ancestrais mais sábios.

Então me sento e assisto.

Espírito único e inquieto, ainda que quieto – pois mantido assim, pela opressão harmoniosa da melodia desgostosa de mim –.

Sei do perigo da banda. A banda que toca e atrai vozes ao canto. Sei de seu poder anestésico. Tomo cuidado e tampo os ouvidos. Uma vez que se atinge os sentidos com tal força, é quase impossível voltar a ouvir com clareza o mundo real.

Escrevo essa bobagem acima pra elucidar de um jeito mais bacana o que sinto em relação a grande porcaria – que muito me assusta – chamada 3D.

Fui ver Alice no País das Maravilhas! Em IMAX 3D! Uau! Dá pra ficar mais potente que isso?

Realmente não.

O 3D se revela como grande ferramenta de manipulação. Assim como a música ilustrada acima, o 3D é artifício apelativo aos sentidos.

Sei que o cinema é essencialmente esse mesmo apelo, mas quando puro e bem resolvido por gente com propósitos honestos, há um algo a mais, além da manipulação pela manipulação, ou pelo retorno monetário.

O cinema honesto a que me refiro, é aquele que proponha questões válidas a respeito de qualquer coisa e que fomente uma inquietação do espírito – sabe? –, aquele cinema que, ao ferir os sentidos, atinja também o plano racional e provoque uma reação, mostrando que veio para um propósito digno.

Não acredito na bobagem de que o sentidos, e tudo que apele à eles, seja de natureza subversiva.

A Sociedade do Espetáculo me parece uma radicalização extrema de um princípio que é, talvez, nosso único meio de conhecimento, o princípio empírico.

Meu problema reside na questão das coisas que apelam em demasia aos sentidos. Esse apelo que anestesia o raciocínio.

O cinema 3D leva o espectador a um gozo visual suis generis.

Esse peculiar atrativo – de maior impacto ainda, quando em IMAX – nocauteia o senso crítico, uma vez que inertes perante a exposição exaustiva dos sentidos à imagens onipotentes, onipresentes e todos os onis por ai.

A história, a trama, a construção narrativa, enfim, é tudo mero elemento de suporte.

O GRANDE EVENTO é o 3D! É à isso que veio o povo. Para o espetáculo.

Que o 3D exista e cumpra sua função, a de instrumento de entretenimento, não vejo problema algum – ta, vejo, mas vou deixar passar –.

Meu problema é quando este, “soma” do Admirável Cinema Novo, se torna hegemônico. Meu problema é quando o apelo aos sentidos ultrapassa a demanda de produção de conteúdo e fomenta uma padronização nos meios de produção audiovisual, transformando tudo em 3D.

E o grande perigo do 3D é justamente aquilo que vi em Alice no País das Maravilhas, ou em Avatar – que seja –.

Um descuido em construir uma narrativa pertinente, de qualidade.

Não precisamos só de filmes políticos ou de caráter filosófico ou seja lá o que for, mas quando na proposta do mero entretenimento, que se faça com qualidade.

Se na literatura ficássemos entre Nietzsche e Freud somente, os romances estariam na merda. E o povo em depressão.

Mas nem por isso, romances tem de ser pobres, alias, em seus primórdios, atraiam a população justamente por suas qualidades narrativas e pela capacidade de construir metáforas e provocar o exercício crítico emergente de histórias – aparentemente – meramente ilustrativas, mas que por suas qualidades de associação – na leitura mais aprofundada – abordavam temas sérios.

Assim como na literatura seja com Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Flaubert ou Machado de Assis, o cinema precisa de seus Truffauts, Hitchcocks, Von Triers e Kubricks, deixando viver, em seu canto, os Camerons, os Burtons e os Tarantinos.

Sem que esses últimos tomem conta da indústria.

O alto apelo estético empobrece a mente, e o senso crítico é afetado, aí o espírito padece. E os picaretas da indústria cultural lucram muito, elaborando pouco. Pois uma vez que consolidado o 3D, a tecnologia irá se aprimorar e pouco exigirá dos produtores, no mesmo instante que o consumidor pouco exigirá em termos narrativos.

Quando falei mal de Avatar, para um fã do filme, cheguei ao cúmulo de ouvir: Claro, você não viu em 3D! –

Certamente que não vi. Se tivesse visto teria me sentido do mesmo modo que me senti ao final da sessão de Alice. Deliciado com o visual do filme. Cantando a música da banda. Sendo parte do coro. Amei Alice. Amei sua arte, sua fotografia, sua iluminação, suas atuações.

Quer saber, que filme belo! Em IMAX então, UAU!

18 abril, 2010

Gavras e a Grécia


Os helênicos enfraquecem, e desta vez a culpa não é do Fidel. Seu abalo econômico interno ameaça toda a estrutura econômica do grande bloco em que se insere – a UE -.

Natural da Grécia, Gavras – e desta vez falo do pai, não da filha –, tenho certeza, contempla o momento de seu país em perspectiva de um futuro retrato sobre o atual momento.

Costa Gavras e seu cinema de caráter político.

Já gravou por inúmeros países, tratando do sistema interno – político – de cada país.

Faz das localidades em que filma próprios objetos e personagens de seus filmes. Retratos específicos de contexto emergem de suas obras e elucidam um dado momento histórico de algum sistema social especifico.

Gavras, o grande. O grande cineasta internacional. O grego global.

De grego e global, Gavras tem tanto quanto a situação econômica de seu país de origem.

Como disse, a crescente divida externa grega põe em virtual risco todo o bloco europeu, bem como – num segundo momento – o resto do mundo.

O pepino grego que se internacionaliza.

E Gavras – tao voltado a critica sobre disfunções políticas – ainda não mostrou seu furor contra a própria pátria. 

Não duvido, no entanto, que o fará – e logo, logo –. E quando o fizer, sua vertente esquerdista – outrora muito mais radical, nos tempos da guerra civil grega por exemplo – seguirá a coerência de raciocínio de qualquer pensamento esquerdista num momento de falência publica do capital. 

Gavras tornará o assunto todo mais publico do que já é, em perspectiva de expor o sistema capitalista, neo-liberal, em seu momento de fragilidade – como fez antecipando a recente crise americana, em seu filme “O Corte” –.

Em seu “Z” ou em “Estado de Sitio”, Gavras já mostrou que não poupa os equívocos administrativos que dizem respeito à estrutura de um país inteiro. Acho difícil que poupe essa, se o fizer é por ter em obras como – justamente – “O Corte” uma narrativa que já dá conta do principio de todas as crises e rachaduras no sistema capitalista – a exploração do operário subsidiada pela ideologia do sistema –.

O que sei é que de governos esquerdistas e crises financeiras queremos mais é distância.

Admiro muito Gavras e seu bravo cinema – de valor inestimável ao retratar governos opressores –.

Espero – no entanto –  que suas ideologias reacionárias se limitem às curtas fronteiras de existência dos vermelhinhos moribundos, tanto quanto a crise da Grécia – espero –  se limite ao seu próprio país e aos porquinhos do mesmo chiqueiro – PIIGS – . 

13 abril, 2010

Selo Blog de Excelência

Este selo especial eu ganhei do blog  Renance  !
Escolhi alguns blogs interessantes pra passar este selo também:





As regras para este selo são:

1-Linkar o blog que ofereceu o selo:

Linkado!


2-Dizer porque seu blog é um blog de excelência:

Acredito que o reconhecimento - simbolizado por este selo - vem do esforço em escrever de forma agradável e pelo crescente interesse das pessoas em conhecer e ouvir falar sobre filmes.


3- Indicar 7 blog's que vc considere de excelência:

• Araruta

10 abril, 2010

O cinema marginal - We all scream for ice cream!


O ano é 1986.

Tom Waits, John Lurie e Roberto Benigni – presos –.

De sua cela dançam e cantam – I Scream, You Scream, We All Scream For Ice Cream –.

O motim logo toma conta do presídio todo e por alguns segundos todas as celas acompanham a letra – libertária –. Não demora muito, guardas vêm acalmar os ânimos.

O homem por trás da câmera é Jim Jarmusch.

Meados dos anos oitenta. Um novo movimento – marginal – circunda Hollywood.

Legado francês, o cinema independente sopra – novamente – seus  ares sobre o cinema americano.

Down by Law é um dos protagonistas do momento.

Assim como Arthur Penn com Bonnie e Clyde  ao final dos 60 – deu inicio ao que ficou conhecido como o movimento da Nova Hollywood – um momento onde o diretor tem, enfim, voz de autor dentro da industria cinematografica americana –, Jarmusch foi um dos precurssores do cinema marginal.

Jarmusch deu um grito democrático que legou à sua geração e às gerações seguintes, um espaço aos filmes marginais.

De minha parte, não gosto muito do cinema de Jarmusch.

Vejo beleza somente em Down by Law. Pelo que representa. 

Um cinema metalingüistico – não que discorra sobre as qualidades do cinema –. 

Um cinema que discorre – sim – sobre o caráter da linguagem cinematográfica em voga no momento. Um cinema de retórica inerente à narrativa, emergente dela. Retórica que discursa sobre a cristalização da linguagem cinematografica – que se dava pela hegemonia da grande industria –. Aí se dá o caráter democrático do filme marginal, de Jarmusch.

Obviamente, o grito de Jarmusch não foi muito longe, seus ecos são refletidos – em alguns aspectos – nas produções do tipo de Youtube, e nas qualidades da convergência digital – que outorga ao consumidor atributos de autor –. Mas o que se vê nessas produções “democráticas” de hoje é um vazio total em qualquer senso de conteúdo. E que – mais ainda – de marginal não tem nada, uma vez que é vendido sob caráter democrático, mas com propósitos de servir ao mercado. É um simulacro de caráter autoral, legado à grande parte da população.

Aí vem outro aspecto de beleza da obra de Jarmusch. Um olhar que que emerge do filme – ao mesmo tempo que é o olhar implícito da narrativa – e que contempla, de forma recatada – ao reconhecimento de seu pequeno espaço de existência – o próprio momento de sua existência.

É como se o autor soubesse ser efêmero seu grito marginal. Mas grita mesmo assim, na esperança de que seu eco alcance – com efeito – alguém.

É bem sabido que qualquer eco remanescente, não foi, nem será, suficiente pra romper com a grande formalização dos meios de produção cultural. O grito de Jarmusch tem esse pressuposto bem reconhecido em seu tom, mas nem por isso lhe falta esperança. Aí de sua beleza.

A grande conclusão é que enquanto houver uma grande industria em voga, seremos prisioneiros gritando de nossas celas, clamando por nosso pote de sorvete.

Organizando um pequeno motim de sons que reverberam por toda a prisão.

Até que virão os guardas e acalmarão nossos ânimos.

O que também nem importa tanto assim, já que foi bom enquanto durou.

O que fica imposto é que, enquanto houver vida inteligente, o homem gritará por seu pote de sorvete. 

03 abril, 2010

Viajem a Darjeeling


Viajem a Darjeeling. Quero escrever sobre o filme, mas pouco me lembro a seu respeito. Faz algum tempo desde que vi.

O que me traz a vontade de escrever então?

Algo pessoal.

Um apreço por filmes do gênero.

Situações limites onde – por fatores externos – pessoas estão presas umas as outras. Gosto de ver isso na tela. Especialmente porque numa situação dessas, conflitos irão surgir e essas pessoas não terão como fugir deles, terão de resolve-los – pra bem ou pra mal –.

É isso que acontece em Darjeeling, na Índia. Por onde três irmãos americanos decidem viajar de trem, após um ano sem se falarem.

Longe do conforto de casa. Cada um desses irmãos se tira do ambiente calmo e seguro de seus lares pra enfrentar o vazio da relação entre eles. Não havia discussões nem problemas, justamente porque não se falavam. Decidem viajar juntos pela Índia, então.

Ao final do filme estarão novamente nos EUA, mas a relação terá mudado. O ponto inicial e o ponto final do filme se dão no mesmo espaço, com abalos causados pelo trajeto – no entanto –.

A viajem à Darjeeling é uma viajem por entre conflitos à serem resolvidos. De uma beleza antológica, os planos de Wes Anderson, diretor, – em especial as panorâmicas – contemplam o desenrolar dessa relação em progresso.

O trem é símbolo desse processo. Enquanto viaja, conflitos surgem da claustrofóbica cabine que acomoda os três. O trem não pode parar. Estão presos então, entre eles.

Num aspecto mais amplo – no que tange uma universalidade da trama a partir de uma historia particular – é o trem, objeto que fere uma relação simbólica com a instituição familiar.

De uma maneira ou de outra estaremos sempre ligados àqueles que estiveram conosco por grande parte de nossa vida e, após o amadurecimento e o despontar para a vida adulta, não será esse distanciamento espacial que rompera com essa relação enraizada no cerne estrutural de nossa existência.

O trem em Darjeeling é essa raiz à que se está preso – ainda que pareça uma palavra forte demais, a uso num bom sentido –. Se em viajem pela vida, não resolvermos nossos conflitos dentro dessa estrutura básica – a família – nunca teremos paz. É de certa forma o que propõe o filme.

Mais do que isso, a resolução do distanciamento entre os irmãos reflete um processo de libertação pessoal através do autoconhecimento reconhecido na figura do outro que é tão próximo.

A câmera de Anderson é instrumento fundamental para o desenvolvimento tão harmônico desse ponto de vista. Ele contempla a relação familiar sob uma perspectiva adequada ao tom dramático de cada momento.

Sempre nos instantes que antecedem o surgimento de conflitos e discussões, o ambiente é claustrofóbico e o plano é limitado por paredes apertadas.

Já nos momentos de entendimento – em especial ao fim do filme –, panorâmicas capturam a libertação pessoal de cada um – dada a resolução dos conflitos entre eles –, em meio a cenários externos, amplos e infinitos.

É de beleza representativa inigualável, o momento em que – após a resolução de todos seus conflitos – os irmãos correm ao alcance do trem que tinham que pegar e ao correram vão se desfazendo de suas bagagens. O olhar da câmera ai é um olhar lento e contemplativo, que vai os acompanhado num movimento de dolly. Um atrás do outro, os três embarcam no trem. Livres do peso que carregavam.

Acho que – dado o pouco que me lembro do filme – é suficiente esse texto. Ainda assim, não posso deixar passar em branco a qualidade da trilha sonora que acompanha a viajem dos irmãos. Um embalo ao gosto pessoal – acredito – do diretor, que por assim dizer, tem muito bom gosto.

Viajem a Darjeeling revela um alto teor simbólico e remete a questão inerente à um repensar das estruturas que sustentam nossas relações mais fundamentais.

É basicamente isso que me lembro, o que me leva a pensar no que consiste o sucesso de um filme.

Uma lei geral não vem como algo final desse pensamento, à bem da verdade, concluo algo tão especifico que é único à esse próprio filme.

Viajem a Darjeeling é – pra mim – bem sucedido, por ter mantido em minha memória, já após algum tempo, a lembrança de sua beleza significativa.