30 junho, 2010

Butch Cassidy and the Sundance Kid


O coronel brada – Fuego! –.

Disparos.

Mais uma vez – Fuego! –.

Mais disparos.

Uma ultima vez, antes que sua voz seja encoberta pela trilha – Fuego! –.

Com os últimos disparos, Newman e Redford se imobilizam num ultimo frame. Um frame que se faz fotografia do fugaz momento de suas mortes. Retrato fugaz das eternas e imortais figuras de Butch Cassidy e Sundance Kid.

É duas da manhã e da escuridão do meu quarto ligo a tevê. Estou com sorte o suficiente para ouvir, logo ao primeiro momento, Raindrops keep falling on my head.

Entre a suave trilha, e tiroteios agressivos, a luz projetada da televisão começa a embalar meu sono.

Pra mim, sempre fora tão agradável dormir ao embalo de clássicos do cinema. As vozes, a musica, as cenas e os diálogos, me trazem calma e lembranças agradáveis, como se fossem memórias minhas, aquelas cenas jamais vividas. Assim, durmo o sonho dos saudosos.

De um modo ou de outro, Butch Cassidy é um filme de rara oportunidade na televisão, dormir enquanto está no ar é quase um pecado.

Mantenho-me acordado até o final, até a cena que imortaliza ambos Butch e Sundance, Paul e Robert.

Há todo um clima e uma construção dramática que garantem o esplendor do filme, bem como seu lugar entre as grandes obras do cinema. Mas há, também, um algo a mais. Um detalhe final, sem o qual o filme não seria o que é.

A ultima cena.

Duma conversa ingênua, sem saber que lhes espera todo um exercito, Butch e Sundance saem de seu abrigo pra enfrentar, o que pensam ser, alguns dois ou três homens. Logo, uma seqüência de tiros confronta a ingenuidade daqueles dois que mal algum queriam ao mundo, mas apenas bem à si próprios. A ultima imagem, no entanto, é a de dois rostos confiantes nos sonhos com a distante Austrália, e não a de dois rostos surpresos pela realidade.

Assim se fazem imortais, dois sonhadores.

Já é quase quatro horas, e com essa imagem na cabeça, pego no sono.

Sonho com duas figuras distintas – um exímio atirador que tem medo de água, e um romântico fora da lei –. Eles roubam um banco, em algum país onde não se fale “mexicano”.

Seus rostos expressam confiança ingênua, como se contassem um com o outro e nada mais. A eternidade é deles, pelo menos até o momento em que gotas de chuva continuarem a cair-lhes sobre a cabeça. Até lá, serão os eternos Butch Cassidy e Sundance Kid.

22 junho, 2010

Away we go


Votos daqueles que nunca se casaram, nem nunca se casarão, ditos na eternidade de um fugaz momento da madrugada. Ah, sim, sobre uma cama elástica.

É, de certa forma, essa imagem, essa cena, que define o filme do diretor Sam Mendes, Away we go.

Grávidos, o casal Burt e Verona se vê desamparado quando os pais dele anunciam que vão morar na Bélgica.

Sem ter quem os guie pela nova fase da vida, os dois viajam os Estados Unidos – e Montreal – em busca de conhecidos que já tenham alguma experiência em termos de criar uma família.

De Phoenix, onde encontram uma antiga chefe de Verona conduzindo a família da forma mais preguiçosa possível – dada à evidente exaustão do casal –, à Madison, onde encontram-se com um casal “hippie”compenetrado em criar os filhos à melhor – e mais natural – maneira possível, Burt e Verona acabam, por fim, encontrando, em Montreal, o lugar perfeito para criar a filha que vai nascer.

Lá, eles reencontram um casal de amigos da faculdade, pais de uns 4 filhos adotivos, uma vez que Munch, a mãe, já abortou 5 bebês.

Empolgados em criar a família ao lado do casal de amigos, a noticia de que Munch não consegue ter filhos parece preceder uma instabilidade no local, algo que o torna inóspito, dado a tristeza da situação.

Uma ligação, do irmão de Burt, os leva de volta aos EUA, para Miami desta vez.

Abandonado pela esposa, da noite para o dia, o irmão de Burt se depara com a difícil tarefa de contar para a filha que a mãe a abandonou.

O fato levanta uma questão para o casal: por que alguns que tem o que outros tanto querem, não valorizam?

Conduzido muito sobriamente, Away we go é um filme firme, sobre a eterna instabilidade da vida.

Se em Um Sonho Possível, o sonho americano é a representação máxima da tragédia moderna, levada a cabo por uma vida frustrada, naquilo em que se pretende que seja real e não um enlatado “mais do mesmo”, e em Beleza Americana, esse mesmo sonho vira material para um retrato sombrio e irônico de uma sociedade tão fragmentada e incapaz de compreender à si mesma, uma vez que tão mediada por imagens e idolatria, em Away we go, as figuras desta mesma sociedade são tratadas com compaixão, talvez devido um sentimento de nostalgia.

Seja como for, Away we go é símbolo desta vida, cada vez mais intoleravelmente incompreensível. Retrato do trauma que nos afeta do momento em que nascemos.

O trauma concebido da dramaticidade de se viver num lugar tão inóspito à vida humana, uma vez que não oferece qualquer resposta significativa ao sentido de nossa existência.

Por assim ser, Burt e Verona, desesperados ao perceber que não tem ajuda de ninguém para criar a filha da maneira menos traumatizante possível, ao procurar ajuda de conhecidos, país a fora, percebe que o desespero existencial – aquele desespero do “e o que faremos agora?” – não é uma questão de gênero ou idade, mas, sim, uma questão, eternamente, humana.

O que o filme faz, seu propósito, é oferecer um conforto. Ao retratar medos, anseios e frustrações, como em todos seus outros filmes, Sam Mendes expõe a dramaticidade da vida como algo essencial dela própria, confortando todas as almas solitárias, como irmãs.

Por fim, Burt e Verona, ao buscarem ajuda, acabam encontrando casais tão perdidos quanto eles, de modo que não se vêem mais sozinhos no mundo, mas encontram este conforto que o diretor propõe. Acontece, apenas, que eles não encontram conforto nos amigos ou parentes, mas, sim, pela primeira vez, um no outro, quando finalmente acham um LAR.

Ainda que “lar” não seja um lugar de respostas e certezas, ainda que seja só mais um espaço de instabilidade e imprevisibilidade, é lá que Burt e Verona, possivelmente, terão um local de conforto na certeza do companheirismo. Conforto enquanto duas almas juntas, como dois grãos de areia no indistinguível turbilhão de questões e medos pessoais, do qual esta sociedade – universo – é tão permeada.