28 fevereiro, 2010

Being There


Muito além do jardim. A primeira vez que assisti devia ter uns 8 anos, foi com meu pai.

Me admira como algumas coisas tem a capacidade de se prender à nossa memória. Pequenos momentos que poderiam ter passado como qualquer outro momento da vida. Mas que por algum motivo vão se prendendo em nós e aos poucos, com o acumulo dessas lembranças, vamos formando quem somos.

Enfim, lembro-me que era um sábado e que chovia lá fora. Entrei na sala e meu pai estava assistindo ao filme. Ao tão enigmático Muito Além do Jardim.

Lembro de assistir alguns lances do filme. Depois de um tempo sei que achei entediante e fui fazer alguma coisa que, não tenho duvidas, achava mais divertida.

Alguns anos depois, quando já sentia um interesse maior por cinema, entro em uma locadora e não encontro filme algum. De repente bato os olhos numa prateleira e, de imediato, me vem a recordação daquele dia, perdido em algum lugar em minha mente. Escondido em algum lugar em mim, esperando pra ser resgatado.

A capa foi o que me fez lembrar. Aquela capa com aquela cena, que até hoje me é tão bela. Chance e seu guarda-chuva sobre a água. Levei algum tempo para entender a profundidade daquela cena. Talvez porque, justamente, tenha buscado alguma profundidade nela. Quando o que ela representa é algo muito raso. Chance Gardner é aquela figura que se mantém na superfície. Ai esta sua beleza. O fascínio que exerce sobre as pessoas é o da simplicidade.

Chance passou a vida morando na casa de seu velho patrão. Nunca deixou a casa. Aquele mundo é seu mundo de experiências, cuidar das plantas é o que ele conhece. O resto das informações e seu único contato com o mundo externo vem de uma pequena televisão. Suas experiências são limitadas àquele universo. De resto, Chance é um voyer. Observa à distância nosso mundo.

Mas como crer naquilo que vê? Chance não o faz.

Chance Gardner é uma espécie de cético, mas uma espécie que dá pra gostar, ingênuo. Ele não é, por intenção, um questionador das coisas. Na verdade, Chance nada questiona.

Quando é posto pra fora de casa por um acaso natural da vida, a morte de seu patrão, Chance entra em contato com a natureza empírica do conhecimento de mundo. Chance não mais observa. Ele vive. Mas seu estado natural, sua passividade, é o que o guiam por aquele mundo.

Chance Gardner é um ser sólido. Concreto. Nunca teve de medir suas ações. Nunca foi apresentado à conceitos de relações sociais.

Chance age conforme o mundo lhe exige. Chance dança ao ritmo da música, ainda que à sua própria e ingênua maneira.

Não demora muito, Chance chama atenção de pessoas importantes e sábias. Sua ingenuidade é tomada por sabedoria. Sua passividade por elegância. Chance nada conhece do mundo, nada lhe foi imposto, portanto, de nada desconfia. Se deixa levar.

Admirado até mesmo pelo presidente dos Estados Unidos. Quando as únicas observações que é capaz de fazer, quando os únicos argumentos que é capaz de levantar, são relacionados à sua casa, à seu jardim, à seu mundo.

Chance é o belo “dar de ombros” ao mundo. Não de um jeito presunçoso. Até porque de atitudes presunçosas, Chance nada sabe.

Sua falta de interesse naquele mundo abstrato que à ele se apresenta é ingênua. Aquelas pessoas, formadas de regras de conduta social, cheias de ideologia. Aquilo tudo está muito distante para Chance. Ele não se preocupa em ir atrás.

Sua personalidade ambígua. Sua suposta sabedoria. Todas essas coisas. Todas essas coisas são meras conclusões daqueles que precisam chegar a conclusões.

Chance não é um conceito. Chance não é uma abstração.

Chance Gardner é o ser humano em sua forma natural e concreta. Sem interferências.

Chance Gardner é a beleza rasa do homem em seu estado mais simples.

O resto, bem, o resto está muito além do jardim.

27 fevereiro, 2010

You must believe in spring.

Ando pela rua numa noite como outra qualquer. Uma noite de neve. A cada passo que dou, como que em uma provocação, a neve teima em cair mais forte. Ja não sinto mais minhas mãos, e meu rosto, enrolado até a altura da boca por um cachecol, é cortado pelo vento frio que se joga contra mim.

Posso andar mais depressa e em pouco tempo estarei em casa. Mas não quero. Não hoje.

Me jogo pra dentro do primeiro bar que vejo. Uma conversa num canto aqui e outra ali, logo no outro canto. O lugar não está cheio, mas também não está vazio. Procuro uma mesa em algum lugar mais isolado. A caminho da mesa as luzes do lugar diminuem.

As conversas silenciam.

Um foco de luz nasce e ilumina aqueles dois companheiros. Amigos de longa data. Ela, que agora se esconde atras do microfone, eu poderia dizer com uma quase certeza, já fora muito bonita um dia. Já fizera muito sucesso em palcos como este, cantando pra uma platéia quase como esta. Um pouco mais animada apenas. Ele, sempre a mão amiga, seu eterno companheiro, se senta frente ao piano. Seu rosto carrega marcas e seu fígado, deduzo pelo whisky em cima do piano, também já não é mais o mesmo.

Esse momento de consideração me toma uns cinco segundos. Tempo precioso e que não se pode ser perdido dentro de um bar. Não enquanto se pode estar bebendo.

Continuo meu caminho, tentando me achar no escuro. Então eu ouço. Como uma provocação.

Aquela música começa.

Logo de início, logo no primeiro dedilhar do piano, eu reconheço.

Ela ri de mim. Aquela música me encontra após tantos anos. Me olha, se lembra de quem eu já fui. Se lembra dos dias que eu já fui. E então, num tom que não reconheço, me conta isso tudo. Me conta minha própria história. Não sei se ela brinca comigo, se me quer bem ou se me quer mal. Não reconheço suas intenções.

You must believe in spring. Ela me diz. You must believe in spring. Ela me canta.

Fico suspenso.

Por que ali ? Por que daquele jeito ?

Eram perguntas que podiam ter me ocorrido. Mas não.

Nada mais importava. Pelo menos não àquela altura da vida.

Quem sabe, alguns anos antes, tivesse eu sido acometido pelo mesmo momento, com uma ingenuidade jovial teria me perguntado essas coisas.

Mas já pouco me importo.

Não é o destino. Não é uma pegadinha, nada do tipo. É só o acaso.

Um cara qualquer entra por uma das milhões de portas de bar do mundo e escuta uma música. Só aconteceu de eu ser o cara, entrando naquele bar pra ouvir aquela música.

O pianista.

Olho pra ele. Seus grandes dedos negros correm com suavidade aquele instrumento que ele conhece tão bem, que lhe é tão familiar. São amigos de longa data. Sua voz rouca acompanha a macia e maternal, leve e sensual, voz daquela que se camufla sob o facho de luz.

É incrível, nada mais existe, nada.

Somos nós. Sou eu, o pianista, a cantora, e ela. Nada mais importa, não quando se tem a eles.

You must believe in spring. A porta do bar abre. Uma rajada de vento entra. É um casal. Eles acham uma mesa e se sentam. Não posso evitar em sentir o frio que trouxeram. You must believe in spring, aquele bar me canta.

Um cara anda pela rua, a neve cai com maior intensidade. Ele procura um bar, um restaurante, um abrigo. Ele acha, caminha até uma mesa, pede um conhaque e se aquece.

A música continua tocando, mas e dai ?

Eu sou só um cara que entrou num bar em algum momento da vida. É assim que as coisas são.

Então, sem mais demora eu caminho até uma mesa, peço um conhaque e me aqueço. Já não ouço mais nada.

25 fevereiro, 2010

1933 foi um ano ruim.


A precisão com a qual algumas pessoas tem a capacidade de descrever seu passado é uma das coisas que mais me encanta.

Seja num filme, num livro, ou em qualquer outro suporte, textos sobre uma época passada carregam consigo aquelas impressões nostálgicas que, inevitavelmente, nos remetem a nossas próprias lembraças.

John Fante tinha essa habilidade. Seus escritos são impressões pessoais das coisas que viveu.

Fante, escritor americano nascido em 1909, foi jovem numa época em que, acredito, preferia não tê-lo sido.

Não li "Pergunte ao Pó". 

"1933 foi um ano ruim" foi o que li de Fante, numa espécie de prólogo para a posterior leitura de "Sonhos em Bunker Hill", que me pareceu, assim como a primeira, muito biográfica.

O que Fante narra em "1933 foi um ano ruim" é o relato de sua juventude, no momento em que os Estados Unidos vivem os sintomas da crise de 29.

A impressão que se tem ao ler o livro é a de estar suspenso no ar, em meio a um turbilhão de coisas acontecendo a nossa volta. 

É assim que Fante mostra sua posição naquela época. Sua família pobre, devastada mais ainda pela crise, é o retrato de milhares de outros lares na mesma condição.

E seu alter-ego, Dominic Molise, é aquela figura que se mantém jovem até hoje. 

Suas indecisões a respeito do futuro, sua insegurança e seus anseios são tão atuais que discriminam a época de seu relato.

Ai se encontra a particularidade, paradoxalmente genérica, da escrita de Fante.

Sua narração é pessoal, e tal pessoalidade a transpõe à um patamar comum ao leitor. A descrição que ele faz de seu universo, possibilita uma abstração àquele universo que é conhecido pelo leitor.

O decorrer do livro é, para aqueles que o lêem, assim como para Dominic (Fante), um caminhar no escuro. Cada palavra é um passo suspenso na incerteza de onde se pisa.

Isso não só reflete o universo confuso daquele garoto, mas a época de uma sociedade devastada pela depressão econômica e pairada ante o espectro da segunda G.M.

Ainda que desconheça esse universo, entendo seu protagonista. Ai me encanto.

A verdade é que não sei o que é viver numa sociedade economicamente devastada. Meu sonho de juventude não foi ser um grande jogador de beisebol. Nem, tampouco, tive que trabalhar longas horas numa fabrica pra ajudar a sustentar minha familia no pobre e rigoroso inverno americano.

Apesar disso. Apesar de não saber muito a respeito da crise. Apesar de desconhecer as linhas que amarravam os relacionamentos em uma época socialmente frágil, uma coisa eu sei.

Uma pequena coisa eu sei.

Sei que 1933 foi um ano ruim.

24 fevereiro, 2010

Um "textículo"!

            Aos sonhadores, a "fictícissima" carta de um sonhador.


À posterioridade fica este relato.

Vejo-me no fim. Fui a frente de batalha.

A queda em desgraça, de nosso ideais, levou a cabo a vida de companheiros, mais ainda, pois em risco nossa pátria.

O que será do futuro, para nossas famílias e para aqueles que ficaram, desconheço.

Espero, apenas, o melhor.

A cortina protetora daquilo que por tanto defendemos, cai sobre nós num gozo satírico.

Como que rindo de nós, assiste impiedosamente nosso fim.

Fui eleitor de uma política falaciosa. Elegi a figura que teve melhor apelo aos meus olhos. Sonhei com o paradigma novo que ascendia. Fui. Fomos e elegemos.

Sou filho equivocado.

Sou filho de um paradigma ilusório e prepotente. A coesão da mudança benéfica e a promessa de segurança à equivocada tradição de liberdade de mercado, provou-se crença ébria.

A política esperada libertária, fora coerciva à duro custo.

Fez-nos de bobos, e nos vê desfalecer.

Que minhas conclusões neste momento de queda, estejam fortemente influenciáveis, não nego. No entanto, não consigo considerar outras respostas.

Não vejo porém, qualquer solução.

Somos idólatras. Fomos.

Sei que inevitavelmente, uma nova ordem se estabelecera e a fortaleza que construirá será tão concreta como, já fora um dia, essa que agora vejo cair.

Sei também que seu destino não foge ao que presencio nesse momento.

E assim por diante.

Espero, ao menos, que seja um processo de gradual aperfeiçoamento humano.

Tristes aqueles que vivenciam a queda de seus dogmas.

Cegos eternos aqueles que não.

Não sou cético. Não sou imparcial.

Durmo o sono dos pessimistas proféticos.

E então eu acordo.

18 fevereiro, 2010

Billy Elliot


Billy Elliot passava na televisão alguns dias atrás. Entusiasta da cultura britânica, o que mais me agrada no filme é seu subtexto.

Sob o contexto da greve dos mineiros na Inglaterra em 1984, a história do garoto que quer dançar balé é um contraponto delicado dentro daquela lógica brutal.

O subtexto, no entanto, a que me refiro, é aquele que se lê nas entrelinhas, a Inglaterra dos anos 80, e como era crescer ali naquela época.

Pubs e Rock, com muita cerveja. Era esse o abrigo daqueles mineiros que amaldiçoavam Thatcher. De dia a briga sindical contra o expoente sistema neo-liberal, de noite o refugio.

Antes ainda, no entanto, de ver o filme na televisão, havia assistido ao musical Billy Elliot. É uma experiência indescritível. Um espetáculo ao vivo é o tipo de coisa que da validade a qualquer argumento empirista.

Foi o caso.

A experiência de ver ao musical ao vivo proporcionou um grau de envolvimento com o texto que o filme não alcança. O suporte textual é sem duvida o que faz a diferença. Estar num ambiente, frente uma sinfonia ao vivo e uma encenação cara a cara, devo dizer, vence qualquer filme.

O mérito do filme, no entanto, não é menor por causa disso. Sua grandiosidade é diversa àquela do musical. Ele tem a pontual qualidade de singularizar a Grã-Bretanha a partir de uma historia, realmente, única.

Billy Elliot é quem simboliza essa qualidade. Sua devoção com o balé sobrepõe um discurso diferente a um simples e formal retrato da sociedade inglesa na época da greve.

De modo que o retrato dessa sociedade, então, é feito a partir da premissa de vida daquele garoto, o que o torna singular e magnífico.

Sob esse aspecto, Billy reflete o progresso da greve. Ele é como um espelho que mostra o desenvolvimento daquele momento, num sentido em que as coisas que acontecem dentro de sua casa, tão envolvida com a situação, transformam reações nele.

Seu pai e irmão, ambos mineiros, sofrem os efeitos da crise de seus trabalhos e, ao garoto, ferem com suas reações.

Billy reage. Assim, ele representa a crise social daquele ambiente.

É uma construção sublime, de caracteres e personalidades em transito. A instabilidade social do momento é representada pela instabilidade de seus personagens. A ascensão final de Billy, ao seu objetivo, vem mutuamente com o fim da crise. É um ciclo que se conclui em meio a conflitos gerados por aquele contexto.

Uma cena que muito me agrada e que, bem, representa essa ligação e relação de simbolismo entre o garoto, Billy Elliot, e a greve, é quando Billy e sua professora estão suspensos por um guindaste que faz a travessia de um lado para o outro de um rio. Os dois conversam sobre as origens do balé enquanto são transportados impassíveis, de um lado pro outro. Essa cena reflete a posição em que o garoto se encontra frente a crise daquele momento versus seus desejos e ambições particulares.

É um espetáculo de construção narrativa e representativa. O retrato daquela sociedade em crise, também, ainda que triste, não foge a uma nostalgia agradável. E acima da beleza discursiva do filme, como já mencionei, acho que o que mais me agrada no filme é justamente esse olhar nostálgico para aquele passado.

Como disse, ainda que não tenha experimentado nada disso, sou um grande entusiasta da cultura britânica.

17 fevereiro, 2010

We'll meet again!


Men are nature made.
Men's nature is nature's horror.

We'll meet again
some sunny day
some sunny hour

darkness within
shall past away

by any means
we'll do waht it takes

get away from our nature
get nature fucked up for us

get along with nature
fuck up our belongs

we do what our wild past
requires

come fly with me
let's fly away

let's fight awake
let's fuck asleep
Let's get our war back to our genes!


16 fevereiro, 2010

Mon Oncle, le livre!

Mon Oncle, o livro, acaba de ser lançado pela editora Cosac Naify.


Tomando por base a obra cinematográfica de Jacques Tati, o escritor Jean-Claude Carrière escreveu em 1957 um pequeno romance.

A obra literária narra exatamente a mesma história do filme, dessa vez, pela perspectiva do garoto Gerard, sobrinho de Hulot, o que torna o texto muito mais pessoal.

Crescido, Gerard narra as desventuras de sua infância ao lado de seu tio.

Como se fosse um diário, Carrière elabora um discurso singular e muito particular. As palavras que descrevem a nostálgica época da infância do garoto são tão pessoais que tornam a coisa toda nostálgica para nós.

Um texto tão descritivo que alem de imagético, chega a ser virtual. Somos colocados, tão tranqüila e gradualmente, dentro daquela cidade na França que só percebermos nosso grau de interação com o livro quando já estamos sentido os aromas e nos sujando com a lama da pequena e popular pracinha onde morava o personagem Hulot.

O filme de Tati, hoje em dia, pode não ser tão apreciado como com certeza fora na época, isso se deve a seu timing, seu ritmo. As gags da obra de Tati são, em grande parte, o fio condutor do filme. Os tempos de silencio, que na época surtiam um efeito cômico, bem como apaziguador, hoje em dia podem parecer um pouco despropositados e inquietantes. Eles serviam de suporte a figura ingênua e calma de seu protagonista, mas sob a pressa de nossa atual sociedade, ter um timing como esse, pode parecer uma ingenuidade da obra em si.

Sob essas considerações, a leitura do livro seja, talvez, mais agradável.

O ritmo calmo do filme é transposto num equivalente tempo verbal, mas preenchido com as considerações do garoto, o que torna o texto, alem de mais afetuoso, mais “concreto”, por assim dizer.

Apesar disso, o filme também caracteriza uma qualidade prazerosa e afetiva com aquele retrato.

Na obra de Tati, no entanto, somos, de certa forma, apresentados àquele ambiente, espiamos aquele mundo, e nos divertimos com ele. Mas para por ai.

Já no livro, devido à pessoalidade da descrição dos eventos, nos identificamos tanto com aquele lugar e aquele tempo retratados que é como se fosse próprio a nós. O afeto pelo tio, que permeia o texto de Gerard, se torna nosso. A descrição do Mr. Hulot é de tal modo, bem feita, que compreendemos aquele senhor com os mesmos olhos que Gerard em sua infância.

Como o personagem mesmo descreve no começo do livro – “Eu tinha um tio. É difícil enxergá-lo com olhos de adulto. Ele ficou como a única alegria da minha infância, e tenho medo de desfigurar a imagem que guardei dele. (...) Meu tio Hulot me parecia, quando eu era criança, um personagem ao mesmo tempo próximo e distante, indiferente e caloroso. É difícil explicar, eu sei. (...) Talvez eu tenha guardado uma imagem inexata do meu tio; (...) Mas quero falar dele como se ainda tivesse oito anos.”

Como prometido nas primeiras paginas do livro, o personagem Gerard delineia uma imagem de seu tio que transpassa esses tão mesmos sentimentos em relação a seu tio.

Vemos o personagem Hulot pelos olhos daquela criança que passou parte de sua infância com ele, e que, de certa maneira, não compreendia aquele sujeito, ambíguo aos seus olhos. Hulot, portanto, nos é deliciosamente ambíguo, de um jeito muito divertido.

A dar suporte ao texto, ainda, o livro conta com ilustrações feitas por Pierre Étaix, valorizando a descrição e tornando a experiência toda ainda mais agradável.

O livro, por fim, é um agradável saborear de uma época que desconhecemos.

15 fevereiro, 2010

Por que Avatar é tiro certeiro no Oscar?

Olhar suspeito! Por que os Na’vi suspeitam de nós ? Quer saber, eu suspeito deles!


Um povo que entende que viver em harmonia com a natureza seja se submeter a brutalidade dela, me parece no mínimo burro.

Dado o fato de que são intelectualmente desenvolvidos, os Na’vi são, então, a representação dos lunáticos de nossa sociedade. Fundamentalistas verdes que esbravejam contra a “selva de concreto”. Termo irônico, ainda, referenciando à própria brutalidade daquilo que defendem. Enfim...

Aqueles que criticam Avatar, de maneira negativa, partem, geralmente, do argumento que Avatar é, essencialmente, uma grande bobagem ideológica.

A formação de toda a geração jovem do século XXI, e daí pra frente, é construída sobre princípios “politicamente corretos”. Com um desastroso passado, recente, às costas, carregamos a obrigatoriedade de alertarmo-nos a qualquer tipo de desvio de conduta.

A era da liberdade de expressão é, também, ideologia. Mais precisamente, bobagem ideológica. Quando pensamos, nos diferentes estereótipos criados pela Indústria Cultural, adequando comportamentos a um padrão, invalidamos qualquer argumento a respeito da tal “liberdade de expressão”.

Um expoente, então, dessa cultura falaciosa é a cooptação mercantil dos valores que formam essa geração “politicamente correta” e “naturalmente verde” e a subversão desses valores em produto de consumo.

A defesa e o resgate do contato e respeito com a natureza, então, é nada mais do que mercadoria. Ideologia.

Formalmente, a ideologia, a se sustentar, depende de um discurso. E a continuidade do discurso ideológico, então, é o que garante a continuidade da ideologia.

Avatar é discurso ideológico. Avatar é uma grande bobagem.

O ser humano, sob a perspectiva apresentada no filme, tem que estar, a todo tempo, sujeito a natureza, em perspectiva de viver em harmonia.

O progresso da civilização, sob esse viés, é algo errado e mal. Somos grandes destruidores e devemos nos curvar diante a natureza.

Os seres de Pandora, no entanto, os Na’vi, são seres, que por estarem em harmonia com a (brutal) natureza, são seres superiores a nós.

Avatar ofende, nesse sentido.

Assim como a ideologia de negação aos valores sociais em voga, Avatar nega todo o processo de desenvolvimento humano e toma como exemplo, equívocos cometidos durante o percurso.

Que tenhamos errado em alguns âmbitos do desenvolvimento e ultrapassado alguns limites de consideração com nosso meio-ambiente é uma coisa, agora tomar isso como exemplo e fato único do crescimento intelectual humano, à fazer valer a negação de nosso desenvolvimento, e conseqüente propagação desse discurso ideológico é, infelizmente, genial.

O mercado procura discursos arbitrários à sua lógica, são esses que vendem. Vide Che Guevara em camisetas.

Avatar é um novo expoente dentro dessa lógica. Ele é o símbolo de uma era onde os jovens de hoje, irão entender o mundo de maneira mais aberta e, vivendo em maior harmonia com a natureza, salvarão a si próprios e ao mundo.

Besteira.

Além disso, o que certifico como algo, de fato, precioso no filme, é simbolizar, também, a revolução cinematográfica, ele simboliza essa nova era de efeitos 3D.

Sob esses aspectos, é impossível que Avatar não ganhe o Oscar de melhor filme. Impossível!

Tenho essa clareza uma vez que, operando dentro da lógica mercantil, como tudo, os prêmios da Academia vão validar o discurso “avatariano” e garantir a continuidade dessa grande bobagem que, por muito, ainda irá perdurar.

Afora o discurso ideológico, o texto do filme, limitado a si mesmo, sem referencias, é muito bem construído. Sem duvidas é um filme muitíssimo bem feito, desde a construção dos personagens até as cenas de beleza antológica, Avatar é um filme muito bem construído, o grande problema é que tudo está ali de premissa, à suportar o discurso ideológico.

Do contrario, que eu esteja errado, piora. Seria, então, a premissa ideológica sustentando o filme.

De um jeito ou de outro, ou até mesmo mutuamente... como eu disse, Avatar é tiro certeiro no Oscar!

10 fevereiro, 2010

Onde Vivem os Monstros (Uma Pequena Consideração)

Onde vivem os monstros firma sua beleza na relação que alcança com o particular de cada espectador.

Poesia é o texto que trabalha a raiz das coisas, que trabalha a raiz da linguagem.

Onde Vivem Os Monstros radicaliza. É texto formal, engendrado a partir de normas narrativas, mas que, a partir disso, radicaliza a estética naquilo que abrange todo o conjunto apelativo aos sentidos, de modo que sensibiliza a memória e remete ao particular.

É poesia que emana da história.

Quando trato de um filme, costumo sempre abordar a qualidade do texto apresentado e entender o porque de, pra mim, ele funcionar ou não funcionar.

Com Onde Vivem Os Monstros, o que me chama atenção a escrever não é essa mesma qualidade discursiva. É algo muito mais pessoal, e discorro, então de maneira mais coloquial.

O êxito da história depende de uma aproximação com o publico, o grande objetivo, e aqui mérito, do filme é criar uma relação com seu espectador a partir de um universo comum. Nisso o filme é bem claro.

Jonze estabelece conosco uma relação que fere nosso lado nostálgico e nos chama para a historia.

Aquele garoto que tem os pais separados e tem de lidar com situações conflitantes, como sua mãe saindo com outros homens, pode não ser particular a todos aqueles que assistem ao filme.

Mas elementos como esses são referencias, talvez, mais do que isso, estruturas simbólicas que suportam a premissa dos conflitos e geram sentimentos naquele garoto, típicos de qualquer um nessa frase de transição.

Aqui, no entanto, seria muito fácil, ideologicamente, cair em construções estereotipadas e em um texto clichê. Mas o discurso apresentado é pessoal à seu narrador e àqueles que o assistem.

Não só entendemos o que leva Max (Max Records, em uma atuação simples e na medida) a criar seu mundo conflitante, mas como partilhamos com ele, uma vez mais em nossas vidas, desses conflitos.

Nesse sentido, Onde Vivem Os Monstros é nostálgico. Temos , em algum momento, que abandonar nosso porto seguro, e os demônios vão aparecer.

“Desconta tua angustia, naqueles que lhe dão apoio, mas que naquele momento, parecem tê-lo deixado só. É injusto ? É comum”.

Assim é a “rebeldia adolescente”.

A jornada particular do personagem é a mesma de todos que passamos por essa fase confusa. É repetitivo usar termos como, perda de inocência, tempo de maturidade ou conflitos de crescimento, mas termos assim são clichês por algum motivo. E se são efetivamente funcionais, o que importa, então, é a maneira como trabalhar essas idéias. Jonze o faz com a genialidade simples daquele que sabe do que esta falando.

Todos passamos pelos conflitos retratados, em diferentes níveis, mas essencialmente da mesma maneira. É ai que somos cativados. Onde Vivem os Monstros é uma pintura daqueles demônios que pareciam, ha algum tempo, terríveis, mas que, assim como Max, já superamos. Ao fim do filme, é hora de voltar pra casa.