Quando o gênero humano se descolore.
Em Onde Os Fracos Não Tem Vez, o xerife Ed Tom Bell, personagem de Tommy Lee Jones, ao fim do filme, conta à sua mulher sobre um sonho que teve na noite anterior.
Seu pai, no sonho, caminhava por um vazio imenso, um lugar desértico. Coberto por uma manta, ele carregava uma tocha, ia acender uma fogueira em algum lugar no meio daquela vastidão fria e escura.
A chama que o pai do xerife Ed Tom carrega é, na realidade, uma fagulha.
Uma fagulha de esperança em meio aos fortes ventos de um deserto violento e desolador.
Cormac McCarthy é um romancista americano. Prefiro proclamá-lo ensaísta.
Autor de No Country For Old Men, seu livro A Estrada é a adaptação cinematográfica da vez.
Não li nenhum de seus livros, minha base são os filmes inspirados neles. Pelo que se relacionam, declaro McCarthy ensaísta de uma longa e única obra.
No Country e A Estrada são, essencialmente, o mesmo filme.
O sonho do xerife Ed Tom pode ser lido como toda a narrativa de A Estrada.
Um ensaio pós-apocalíptico. A Estrada é um retrato simbólico de caráter concreto e fenomenal.
O simbolismo está presente nesse cenário pós-apocalíptico e na relação entre o pai e o filho – protagonistas –.
O que há de concreto e fenomenal advém, em contrapartida, do próprio plano simbólico. Ambos, pai e filho, representam o homem com a tocha do sonho em No Country For Old Men.
Por mais surreal que pareça, eles são personagens concretos, personagens reais. Personagens que matem firme sua humanidade e com isso carregam a flama magnânima do grandioso caráter humano.
O pai, pesar de seus defeitos, padece. Apesar deles, mantém viva em sua memória uma única certeza – mostrar à seu filho o caminho correto: o da humanidade sobre tudo –. Esse caminho exige esforço hercúleo, uma vez que inserido num universo onde a sobrevivência é pretendida acima de qualquer valor.
Podemos dizer que A Estrada é o ensaio sobre a violência de No Country levado às ultimas conseqüências. Senão isso, uma visão simbólica sobre a narrativa deste.
Aqueles que pretendem, com A Estrada, ver um filme sobre o fim do mundo alucinante e megalomaníaco, ao melhor estilo Roland Emmerich, irão sair decepcionados. A Estrada, do diretor John Hilcoat, é um filme sutil, concebido com outros propósitos, que não um filme de catástrofes grandiosas.
A grandiosidade está em lidar com a catástrofe humana, a catástrofe do progresso.
A perspectiva é de ilustrar, sem rodeios, a desumanidade implícita no progresso social – leia-se progresso do capital – acima de tudo. Mais que isso, é retratar a falibilidade à que todos nossos valores e certezas estão sujeitos, sem que nem nos demos conta disso.
Tomamos por certo tantas coisas. Somos crédulos de nossa generosidade, benevolência e altruísmo acima de tudo, bem como de nossa moral ética judaico-cristã. Não nos damos conta, no entanto que há algo dentro de nós muito mais poderoso e devastador, a natureza de nosso ser. Nossa raiz humana capaz de erradicar qualquer valor.
Mirar uma arma na cabeça de seu filho, na diegése do filme, é enveredar uma luta contra essa natureza humana devastadora e enaltecer uma possível sobreposição da moral afetiva e racional à brutalidade inerente do caos e descaso social.
Propriamente, esse caos e descaso não se concebem de um pós 2012 ou coisa do tipo. São, de fato, engendrados de um processo de caráter inexorável e distópico que teve início no primeiro momento em que o primeiro homem se percebe capaz de manipular o mundo a sua volta. O primeiro cérebro a compreender seu ambiente e afins como ferramenta, deu o tiro de largada para esse processo.
Por fim, A Estrada é um romance, um filme ou um ensaio, como queira, de coragem e virtude.
Cormac McCarthy se arrisca em contemplar, sem floreios, a triste posição em que nos encontramos nós, seres humanos, apenas por sê-lo. Não perdendo de vista o olhar nostálgico sobre essa situação e depositando suas esperanças sempre em alguém por aí, algum pai ou filho qualquer.
Algum pai ou filho qualquer, bravos o suficiente para carregar uma chama exaustiva.
A mensagem? Esperar que a chama vingue.
4 comentários:
Embora existam muitas simbologias,o direcionamento para um já bastante alardeado declínio, em todos sentidos, da raça humana em um futuro bem próximo,eu tinha uma expectativa bem positiva em relação a este filme.Acho que não é culpa da produção em si,mas vi um potencial bem maior.Acho que em nenhum momento "decola" (gostei do Viggo)realmente,mesmo a proposta sendo de mostrar uma realidade tão sombria.Se segura,apenas.Claro,na minha opinião.
Abrç!
Fábio Zen
http://pimentazen.blogspot.com/
Matheus, não assisti os filmes mas agora fiquei com vontade! E já virei fã do blog =) tá de parabéns
Muito bom o texto, e muito bom também todo o blog. Parabéns.
www.juliocesarcavalcanti.blogspot.com
ja assisti esse. Cara, adoro teu blog, bom não é a toa que sigo!
beijo.
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