09 maio, 2010

Whatever Works


É bom ver Woody Allen. É bom vê-lo em sua essência e espírito.

Fui ao cinema ontem. Não estava muito entusiasmado com o filme. Whatever Works.

Sabia se tratar de um Woody Allen original – de sua boa época –. Mas, ainda assim, seus últimos filmes me tiraram o entusiasmo em continuar acompanhando suas produções.

A verdade, no entanto, é que quando entrei no filme, um pouquinho atrasado, me deparei logo com os créditos iniciais pela metade.

Da forma clássica como são os credito de seus filmes, embalado por uma música deliciosa.

O entusiasmo me atingiu novamente, enfim, logo ao primeiro contanto com aquele humor e clima clássico de seus filmes.

Na cena inicial vemos Woody Allen representado por Larry David.

O clássico hipocondríaco, neurótico, e misantropo gênio.

Um pouco grosseiro, na carcaça de David, mas ainda assim, essencialmente Allen. Tão fácil de curtir e se divertir, apenas um pouco mais rude.

É bom ver Woody Allen dar uma respirada e tirar um tempo dessa “nova fase”.

É bom vê-lo de volta a si mesmo.

Allen, aqui se faz, novamente, presente nas telas.

Em Wathever Works vemos suas impressões, sua personalidade e seu rosto – ainda que, como já dito, seja Larry David quem vista a carapuça –.

Talvez, dessa “respirada” entre um filme e outro da nova fase, lhe falte fôlego suficiente, aos 74 anos, para nos agraciar também com sua atuação, o que sem dúvida desfavorece o filme.

Ainda assim, David dá conta do recado e faz a função de suportar o filme muito bem.

Seguindo o arquétipo clássico dos personagens representados e escritos por Allen, David sustenta o filme usando os personagens ao seu redor como escada para suas neuroses e críticas.

O misantropo manco – dada uma frustrada tentativa de suicídio – encontra numa jovem moça do sul, que lhe pede abrigo, um ouvido companheiro que agüenta todas as reclamações do neurótico. A ingênua e boa moça vai logo se admirando pelo velho e procurando se parecer com ele.

Ao desenvolver da narrativa, uma série de personagens vai aparecendo na trama e sempre batendo à porta de Boris (Larry David). Cada um desses personagens, assim como o próprio Boris e a jovem sulista, Melody, são caricatos.

Figuras simbólicas. Caricaturas extremas, de regras de conduta e morais sociais das mais diversas crenças – sejam religiosas ou éticas –.

Woody Allen, faz aqui, de uma certa maneira o que faz em Desconstruindo Harry.

Uma auto-analise, apenas mais tolerante e sensível em relação a si e ao mundo.

Faço essa leitura, pois cada uma das personagens está presa a normas éticas que seguem cegamente, e por isso não se deixam viver.

Ao passo que vão se libertando dessas abstratas e convencionais normas, cada personagem vai encontrando uma razão mais digna e verdadeira de viver.

Woody Allen dá um tempo da função de embaixador da cultura européia e contempla sua vida. Exatamente como faz em Desconstruindo Harry.

Dessa vez, no entanto, mais maduro, ele se compreende feliz e bem ajustado.

Se em Desconstruindo Harry, Allen é juiz-penitente, autocrítico e moralmente guiado, em Whatever Works, Allen compreende que o auto-julgamento leva à desgraça pessoal, sustentada por invenções e críticas falseáveis propostas pela sociedade.

Se há alguns anos atrás ele percebia sua vida pessoal e suas relações na ordem da depravação, hoje ele percebe a depravação como uma convenção boba e sem sentido que atrasa sua felicidade e saúde mental.

É isso que Boris, ou Larry David, ou o desconstruído Harry, ou um arrependido e finalmente redimido, Woody Allen, representa.

Whatever Works, diz o titulo, é uma proposta de vida.

Pode parecer auto-ajuda. Mas não vale menos por isso.

É Woody Allen dizendo – Ei, o mundo é aquilo que você concebe, se quiser ser feliz, seja, se quiser transar com uma cabra, bem... whatever works –.

O final do longa é um clichê. Ponho assim, pois o próprio personagem Boris previne para isso, lá pelo meio do filme: “Eu sei que disse que não gosto de clichês, mas as vezes eles funcionam”.

Whatever Works. O clichê funciona.

Ao fim, cada personagem se encontra em estado de plenitude, livre de suas crenças, alguns sendo excêntricos e outros normais, ou não, afinal, tudo é uma questão de como se concebe esse mundo de regras surreais.

Se você abandonar suas crenças bobas e éticas, concebidas de um acaso quase insuportavelmente aleatório, você vai ver que tudo pode dar certo.

E para Woody Allen, tudo dá certo.

4 comentários:

Lenivaldo Silva disse...

"Se você abandonar suas crenças bobas e éticas, concebidas de um acaso quase insuportavelmente aleatório, você vai ver que tudo pode dar certo.

E para Woody Allen, tudo dá certo."
Muito foda isso velho...
Li o texto todinho mas fiquei meio perdido por que não conheço.
^^

Anônimo disse...

um texto que trata de uma das figuras mais notáveis da historiografia da arte contemporânea, é um tributo metafórico assazmente importante...

Cristiano Contreiras disse...

É uma delicia e puro prazer pessoal observar Allen de volta ao seu universo de crises, neuras e hipocondria...não que eu despreze seus ótimos feitos - Match Point e Vicky Cristina Barcelona - mas, eu prefiro mais o seu estilo antigo...

Muito bom seu texto, ainda que eu não tenha visto o filme, deu pra visualizá-lo nos seus principais aspectos.

Parabéns pelo estilo e proposta do blog! Gostei mesmo, estou lendo aos poucos..mas, sigo os passos e acabei de linkar ao meu blog!

Abraço cinéfilo!

Unknown disse...

Oi Matheus!

Vi o filme ontem e as sensacoes foram as mesmas. Num primeiro momento estranhei os créditos no comeco, mas achei que fosse um toque de estilo. Ao estilo Woody Allen.

A trilha sempre ótima, suave, muito saxofone. Mas a ironia e o sarcasmo que envolvem a trama é maravilhosa. Ela coloca situacões que poderiam ser óbvias e aceitáveis na nossa sociedade. Mas depois mostra tudo o que pode acontecer com essas situacoes óbvias de um modo mega crítico! Além do humor envolvido! Ri muito no filme!

Allen foi além, a cada frase uma verdade tão intensa que até chocava! E como você disse whatever works é um modo de vida, que com certeza deveria ser mais constante!