O coronel brada – Fuego! –.
Disparos.
Mais uma vez – Fuego! –.
Mais disparos.
Uma ultima vez, antes que sua voz seja encoberta pela trilha – Fuego! –.
Com os últimos disparos, Newman e Redford se imobilizam num ultimo frame. Um frame que se faz fotografia do fugaz momento de suas mortes. Retrato fugaz das eternas e imortais figuras de Butch Cassidy e Sundance Kid.
É duas da manhã e da escuridão do meu quarto ligo a tevê. Estou com sorte o suficiente para ouvir, logo ao primeiro momento, Raindrops keep falling on my head.
Entre a suave trilha, e tiroteios agressivos, a luz projetada da televisão começa a embalar meu sono.
Pra mim, sempre fora tão agradável dormir ao embalo de clássicos do cinema. As vozes, a musica, as cenas e os diálogos, me trazem calma e lembranças agradáveis, como se fossem memórias minhas, aquelas cenas jamais vividas. Assim, durmo o sonho dos saudosos.
De um modo ou de outro, Butch Cassidy é um filme de rara oportunidade na televisão, dormir enquanto está no ar é quase um pecado.
Mantenho-me acordado até o final, até a cena que imortaliza ambos Butch e Sundance, Paul e Robert.
Há todo um clima e uma construção dramática que garantem o esplendor do filme, bem como seu lugar entre as grandes obras do cinema. Mas há, também, um algo a mais. Um detalhe final, sem o qual o filme não seria o que é.
A ultima cena.
Duma conversa ingênua, sem saber que lhes espera todo um exercito, Butch e Sundance saem de seu abrigo pra enfrentar, o que pensam ser, alguns dois ou três homens. Logo, uma seqüência de tiros confronta a ingenuidade daqueles dois que mal algum queriam ao mundo, mas apenas bem à si próprios. A ultima imagem, no entanto, é a de dois rostos confiantes nos sonhos com a distante Austrália, e não a de dois rostos surpresos pela realidade.
Assim se fazem imortais, dois sonhadores.
Já é quase quatro horas, e com essa imagem na cabeça, pego no sono.
Sonho com duas figuras distintas – um exímio atirador que tem medo de água, e um romântico fora da lei –. Eles roubam um banco, em algum país onde não se fale “mexicano”.
Seus rostos expressam confiança ingênua, como se contassem um com o outro e nada mais. A eternidade é deles, pelo menos até o momento em que gotas de chuva continuarem a cair-lhes sobre a cabeça. Até lá, serão os eternos Butch Cassidy e Sundance Kid.