30 agosto, 2010

Na Cama e no Teatro com Hitchcock


Telecine Cult é refugio para os saudosos de plantão na madrugada.

Não tenho idade pra saudosismo, ainda assim, quando ligo a televisão no 65, apenas para descobrir que um Hitchcock está no ar, é como se tivesse redescoberto uma memória de muitos anos atrás.

Janela Indiscreta. Pra mim, o máximo de Hitchcock.

Há algo de muito aconchegante em Janela Indiscreta. Algo que funciona como um convite ao espectador.

Aqui, James Stewart, diferente de outros filmes do mestre, nos é apresentado fragilizado.

Preso à uma cadeira de rodas, Jeff (Stewart) vive um fotógrafo aventureiro que tem seus instintos limitados ao claustrofóbico espaço de seu apartamento.

Perturbado pela monotonia e incapacitado de ir atrás de qualquer emoção, Jeff, através de sua janela, passa a observar a vida de seus vizinhos. Tão convidativa e interessante é a vida alheia, ele logo se vê mergulhado numa obsessão.

Por meio de movimentos de câmera tão suaves ao passear por cenários que parecem o nosso próprio quintal de casa, o filme todo, em sua construção e ambiente, nos atrai num ritmo familiar e somos feitos voyeur numa investida tão suave que é impossível reconhecer o momento em que passamos a compartilhar da obsessão de Jeff.

Gradualmente, o fotógrafo aventureiro entra num processo de observação compulsiva, numa vontade cega de tentar solucionar o desaparecimento de uma de suas vizinhas.

O que começara com tediosas tardes vendo a vida passar à janela, logo põe o personagem numa aflita jornada em busca de respostas.

Ai , Hitchcock, com maestria, manipula os limites do voyeurismo e dialoga com a própria natureza de seus filmes.

Reconhecido por criar suspense e tensão em suas cenas, com base no jogo de planos em subjetiva e contra-planos em objetiva ( ou vice-versa), Hitchcock faz de Janela Indiscreta um filme que argumenta sobre essa técnica.

Sustentado basicamente por essa premissa técnica, o filme engloba o espectador nessa lógica e nos torna sedentos por respostas, ao ponto de compartilharmos da compulsiva investigação de Jeff.

Lá pelas tantas, porem, Hitchcock repete algo que faz na maioria de suas produções, que é deixar o espectador sabendo mais do que os personagens: numa cena chave, Jeff acaba pegando no sono, apenas para não ver algo que inocentaria aquele que lhe é o maior suspeito do desaparecimento de sua vizinha.

É incrível como o que, em algum filme ordinário, seria um desfecho simplório, num Hitchcock, se torna elemento de mais suspense, dúvidas e tensão.

Ao, aparentemente, inocentar o suspeito, Hitchcock nos joga contra o personagem de Stewart que, ao acordar, continua certo de que aquele é o assassino. Nessa reviravolta, não nos vemos indo contra Jeff, tão somente, mas somos desapontados por vermos nossas expectativas indo por água abaixo uma vez que estavam todas depositadas na certeza de que o assassino (caso houvesse algum) fosse quem nós esperássemos.

Mais que isso, Hitchcock subverte nossas esperanças em um ato selvagem e brutal.

Como que postando um espelho à nossa frente, ele reflete nossa decepção ao percebermos que uma tragédia sobre a qual já apontávamos culpados se prova inexistente. Desse modo, somos feitos seres que precisam provar sua bondade e grandiosidade apenas quando deparados com a sordidez humana.

No entanto, sem entrar em grandes discussões filosóficas sobre a alma humana, uma vez que seu objetivo é sempre uma boa qualidade narrativa e técnica, Hitchcock apenas passa de leve por essa questão e segue em frente com o filme à sua catarse primorosa.

Num desfecho de cenas inesquecíveis, a exemplo das subjetivas onde Jeff cega o suspeito com os flashes de sua câmera, Janela Indiscreta se fecha tão suave como se abre.

Assim, com uma tão rápida saudade nos despedimos.


•••


Fui assistir ontem à peça 39 Degraus.

Sucesso nos palcos da Broadway e de West End, a adaptação brasileira do texto de John Buchan é um fiasco.

Não sei dizer se o fracasso da peça se deve ao original ou à adaptação, de um jeito ou de outro, a peça se apóia em piadas escrachadas e atuações histriônicas, como que em uma apresentação infantil.

O ator principal, Dan Stulbach surpreende ao encenar uma peça de tão baixo nível, mas surpreende mais ainda ao rebaixar sua atuação ao próprio nível da peça.

Com piadas que fazem referencia forçada a peça, como falas que remetem ao fato de que os atores coadjuvantes interpretam diversos personagens, o texto adaptado não se preocupa em um maior apuro qualitativo, legando todo seu pretenso sucesso à essas mesmas piadas fraquíssimas e, pior ainda, à uma fantástica montagem técnica e visual que tem todo seu mérito desperdiçado por uma trama que não se preocupa em dar respostas finais.

Como já disse, não sei se o problema da trama é com o texto original ou com o adaptado. Se tivesse que apostar, apostaria na segunda opção, uma vez que o texto já foi levado às telas por Hitchcock.

Ainda, quanto às montagens visuais, há um jogo de sombras belíssimo e por demais interessante, talvez, ainda, o único momento da peça em que eu tenha de fato me envolvido. Esse mesmo jogo de sombra, que faz clara referencia aos filmes do mestre, consegue criar um clima muito bacana e envolvente, talvez por ser o único momento em que se desvencilhe da necessidade dos atores esboçarem suas terríveis performances.

Acima de qualquer outra coisa, no entanto, o que mais revolta é o fato de que não há uma menor preocupação da peça em resolver os mistérios que levanta. Ao final é como se o espectador tivesse assistido à um circo sem qualquer sentido narrativo e dramático.

Circo esse de uma hora e quarenta minutos, acompanhados atentamente por olhos vidrados no relógio.

3 comentários:

Amanda Salvador disse...

ah, é por isso que sigo esse blog!
curti o post.

Artur disse...

Hitchcock é um excelente cineasta, mas eu nunca vi um filme dele =/. Pecado! Vou procurar ver =]

Ley Cavalcante disse...

Interessante. Já havia lido algumas coisas sobre Hitchcock, mas sem dúvida o que você expôs foi mais interessante do que as diversas pesquisas que eu já tenha feito sobre o cineasta.

Ainda não vi nenhum filme dele (trágico!), mas pretendo esse fim de semana. Recomenda algum?

Enfim. Curti o blog. Vou seguir porque gostei bastante da proposta.
Parabéns.
;P