Submerso. Esse é o sujeito dos filmes de Michel Gondry.
Um homem submerso na realidade pós-moderna. Um homem frágil e impotente.
Que força terá um homem pra revolucionar o mundo imponente da mercadoria? Nenhuma. Impotente é esse homem.
A revolução contra o mundo, então, tem de ser particular. A superação do homem haverá de ser onírica e terá de ocorrer num âmbito livre das amarras sociais.
O sonho – retrato forte e recorrente nos filmes de Gondry - é o plano do possível distanciamento do homem perante o mundo.
Aquele que não vence na vida, sonha.
Vencer na vida – nessa sociedade do capital – é ter seu talento reconhecido e seu esforço recompensado.
Mas e quando o talento e o esforço estão presentes e não são nem reconhecidos, nem tampouco recompensados? Que faz um homem com a consciência de ter sido injustiçado? Que faz Stéphane Miroux – o artista de “The Science of Sleep” – quando o mundo parece não compreender sua arte?
Sonha.
Algumas escolas filosóficas do século XX estudam a sociedade moderna como um lugar fragmentado e mediado pela lógica do mercado, estando todas as relações humanas sujeitas às vontades desse sistema.
O homem perdeu sua identidade e seu mundo virou um lugar fragmentado. A validade do papel do sujeito é pleiteada sob a única perspectiva de consumidor.
E as marcas de identidade do homem não se fazem mais por suas características pessoais, mas pelos atributos de mercado que consome.
O amor e as relações humanas nos filmes de Gondry, por esses pressupostos expostos acima, se dão sempre no âmbito do sonho, numa perspectiva de se verem livres à falência dos sentimentos quando submetidos a lógica desse mundo real. A licença poética que Gondry tira para trabalhar o sentimento humano, revela um olhar triste e piedoso para o homem que não conhece mais esses sentimentos, senão no plano da idealização.
Um mundo onde tudo é representação e nada é puro.
Que função tem um artista dentro desse sistema?
Representar um mundo que por si só já é representação? Inútil!
Ou esse artista se insere na lógica mercantil e tem sua arte transformada em mercadoria, ou esse artista rompe com o mundo e entra em decadência. O personagem principal do filme “The Science of Sleep” fica o tempo todo balançando em cima do muro, entre essas duas opções.
Roland Barthes – sociólogo e critico literário – diz em seu texto “A Aula” que a literatura tem um caráter utópico, pois pretende ter qualidades do real ao mesmo tempo em que sabe ser impossível alcançá-las.
O papel do artista era do mesmo nível que o da literatura descrita por Barthes. Pretendia tanto alcançar o real que acabou sendo cooptado pela realidade mercantil devido suas qualidades representativas e de forte persuasão.
O real e o imaginário e, o concreto e o abstrato, tornaram-se de tal maneira tao intrínsecos, ao propósito de servir ao sistema mercantil, que uma distinção entre um e outro já não é mais possível.
Isso se reflete não só nas obras de Gondry, mas também nas de seus parceiros Spike Jonze e Charlie Kaufman, de tal modo que poderia dizer que os três comungam de uma experiência, em termos de narrativa cinematográfica, análoga à vida.
Ai reside uma metalinguagem no cinema deles, num sentido em que seus filmes representam em grande parte essa confusão entre o real e o representado de tal maneira que o próprio filme se confunde com o real de suas vidas.
Jonze, Gondry e Kaufman são ao mesmo tempo sujeito e objeto.
Seus filmes são confusos pois são representações do particular de cada um deles, mas que, dentro da homogeneidade padronizada da sociedade mercantil, encontram um ponto comum de essência que eleva o particular à uma genérica representação do homem moderno, perdido e desolado ante o mundo do capital.
O sujeito do filme é ao mesmo tempo o diretor e o espectador, representado por uma particularidade, por um fragmento de mundo.
Tanto no cinema de Gondry quanto no cinema de Kaufman e Jonze, o que encontramos é um olhar nostálgico para o passado e entristecido para o presente. É como se em algum momento de suas vidas, eles tivessem experimentado a verdadeira essência do ser. É como se tivessem conhecido a real qualidade dos sentimentos. Até o momento em que caem no oceano capitalista e submergem nesse mundo, sofrendo um lapso nas relações humanas e perdendo contato com a essência verdadeira de ser.
O cinema de Gondry e de seus companheiros é o cinema do homem pós-moderno, que nada nesse oceano, exausto, sem fôlego e sem qualquer perspectiva de terra firme.
Ainda assim, mesmo que no plano onírico, um fragmento de amor e fraternidade sempre se apresenta como uma luz no fim do túnel.
8 comentários:
puxa, fiquei c/ vontade de assistir, está passando no cinema ou já nas locadores?
nem gosto de filmes com esse estilo haha. Mais parabéns pelo blog muito bem escrito.
Belo post parabens, mais não gosto desse estilo de filmes
Ele tbm dirige video clipes, neah?
-Post informativo
õ/
Caramba cara, que loucura isso!!
Seu texto ta bom, mas vou voltar depois porque ta muito longo. Vou seguir o blog.
Abraço!
Personagens muito dialógicos e muito complexos, este tipo de obra e filme busca fazer com que tenhamos uma noção mais expansiva da dificuldade em compreender o ser humano, esqueci quando assisti este filme há tempos atrás nem lembrei do enredo e nem muioto menos do que era contado, foquei na admiração aos personagens... isso que me fascinou lá, espero um segundo filme e uma série talvez...
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