29 novembro, 2010

Tetro


Bennie, um rapaz prestes a completar 18 anos, vai visitar seu irmão, há muito sumido, na Argentina.

Lá, Bennie encontra uma pessoa completamente diferente daquela que lhe deixou um comovido bilhete de despedida fundado na promessa de um dia retornar para buscar o irmão mais novo.

Tetro, irmão de Bennie, teria se mudado dos EUA pra Argentina na esperança de se tornar um escritor, tarefa que acaba deixando de lado. Agora, vivendo com sua namorada Miranda, Tetro vive uma vida sem ambições e seu jeito introspectivo revela que esconde segredos.

Filhos de mães diferentes, sabemos, logo de cara, que ambos fogem de algo – o pai –.

Todo o filme se desenvolve em ritmo com a relação entre os irmãos, uma relação que Tetro, evidentemente, evita.

Fica bem claro, logo de inicio, que é esta mesma relação que vai trazer à tona os segredos sobre a vida de ambos e é por meio de um romance inacabado de seu irmão que Bennie vai remontar sua própria história, esperando que o irmão lhe dê o toque final, que falta na obra, capaz de fechar o mistério sobre sua própria vida.

Em linhas gerais, Tetro – o filme – é isso, um romance de proporções trágicas que monta o retrato familiar como um espaço de mentiras, mágoas e ressentimentos.

O pai de ambos, um maestro de renome, frustra deliberadamente os sonhos dos filhos ao ofuscar-lhes com seu brilho musical.

Isso é o que vamos descobrindo ao longo da película, que alterna presente e passado.

O choque estético, ainda, entre presente e passado, causa um baque entre um passado real, concreto e palpável, onde as verdades daquele mundo maquiavélico, forjado pelo pai, machucam os filhos, e um presente quase lúdico, onde mentiras preservam a distancia abismal entre os irmãos.

Aos poucos descobrimos que Tetro causou um acidente de carro que levou sua mãe à morte. Num filme de vasto repertório de significados e simbolismos, talvez esta cena da morte da mãe seja a de maior importância na chave simbólica.

Logo após bater o carro, uma luz do carro da frente ilumina o rosto de Tetro, enquanto ele a encara fixamente.

Quando chega no local do acidente, o pai de Tetro o encara magnânimo, como que pondo o filho sob um holofote e lhe dizendo que estava decepcionado pela tragédia que trouxe à família, mas que sendo, ele próprio, superior, poderia perdoar o filho.

É recorrente esse simbolismo da luz, de modo que Tetro se torna iluminista num teatro em Buenos Aires, na expectativa de tirar de cima dele os olhares possíveis, como os que o pai lhe dirigira a vida toda.

Ainda assim, esse é apenas um de um vasto repertório de significados engendrados de uma estética impecável. Estética que suporta um momento presente, na narrativa, onde tudo é incerto, ainda mais pelo olhar de Bennie, que tateia seu caminho em direção a verdade sobre sua vida.

Numa cena emblemática, também, antevendo que os segredos sobre seu passado e de seu irmão viriam a tona, Tetro fala à sua namorada – Bennie is... –.

Interrompendo a fala, ele toma assento no banco de passageiro de um carro, mesmo lugar onde sua mãe morrera enquanto ele dirigia, referindo-se ao fato de que seu irmão, como ele conhecia até então, seria morto pelo que Tetro viria a contar-lhe.

Nasceria, então, um novo Bennie, livre das mentiras em que o pai o envolvera, e ao irmão.

Fora de um mundo forjado pelas mentiras do pai, ambos sairiam do holofote que impedia-lhes de seguir uma vida própria. E é no funeral do pai, já ciente das verdades sobre sua vida, que Bennie lança fogo sobre o retrato do maestro soberano.

Num momento tipicamente trágico, então, o fogo – símbolo maximo da técnica – consome a imagem daquele que tão bem soube dominar instrumentos.

A imagem do patriarca é, finalmente, deformada, quando expostas suas mentiras.

Quanto à contextualização do filme, Coppola ambienta seus personagens na passional Buenos Aires, à se esperar que ajam em correspondência.

Nesse ambiente não há um elemento ou personagem que não suporte o trajeto de Bennie – saindo de seu mundo de mentiras e abrindo espaço pelo mundo fechado das verdades que só o irmão conhece –.

Assim, ainda, Tetro tira de si o fardo da verdade.

Nesse ponto, é interessante o trabalho de espelhos que Coppola cria, onde, para poder traduzir o romance autobiográfico do irmão, escrito em código (ao inverso), Bennie precisa de um espelho, no sentido de que ao traduzir as palavras, o espelho revela a face do próprio Bennie.

Tetro é, enfim, um filme pensado com o brilhantismo de seu diretor e trabalhado por mãos impecáveis, capazes de fazer compreensíveis toda uma gama de significados que suportam aquilo que poderia ser só mais um drama familiar besta, mas que, por assim ser bem feito, se torna um texto trágico e belo.

Ainda, talvez, o final do filme, num instante mais imediato, pareça um tanto arrastado, mas após digerido fica fácil ver que cada “falso” clímax atenta o espectador para um desfecho perfeito.

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