O que está em jogo aqui é a sensibilidade humana.
Sabe como o mundo muda um pouco a cada dia e, da mesma forma, exige que mudemos, também? E dia após dia, durante uma série de anos, vamos nos transformando naquilo que a sociedade precisa que nos transformemos. E assim, cumprimos nossas tarefas diárias e sustentamos o organismo socioeconômico. E a uma certa altura, então, abrimos os olhos no meio da noite e nos perguntamos como é que tudo isso aconteceu e quando foi que viramos meros esboços de uma humanidade decadente.
É sobre isso tudo que Desapego tem a falar. O filme do diretor Tony Kaye aborda três semanas na vida de Henry Barthes (Adrien Brody), um professor substituto da rede pública de ensino nos Estados Unidos. A jornada de Barthes é um empenho em atingir a sensibilidade de seus alunos, de alguma maneira.
Combatendo com forças hercúleas um sistema de indiferença que por horas ameaça sua própria sanidade, Barthes tenta lidar com a total falta de perspectiva futura na vida da sociedade norte-americana. Desde a precariedade dos sistemas de saúde e ensino à sordidez das ruas, o herói do filme é afligido pela desumanização do individuo social. Há muito tempo que a consideração pelo outro deixou de ser parâmetro ético e passou a dar lugar aos interesses privados, acarretando num cenário urbano de corpos à venda e mentes alienadas.
Sob um certo aspecto é razoável entender que a jornada de Barthes é uma jornada épica onde o afeto é a grande razão de inspiração do herói.
O público, então, não tem como deixar de se compadecer pelo protagonista do filme, que não mede esforços em tentar tirar seus alunos dessa anestesia cotidiana. O que Barthes falha em perceber é que essa é uma batalha perdida e, pelo desenrolar do filme, é a tomada dessa consciência que vai abalando sua própria estrutura interna, ao ponto de quase sucumbir diante do mundo.
Em linhas gerais, o filme é um belo tratado sobre o esforço diário que os professores do sistema público empreendem, em perspectiva de um futuro digno para as gerações seguintes.
A abordagem dramática dessa realização de Kaye trabalha um certo realismo, mas sem jamais distanciar o espectador, muito pelo contrario.
Pelo desenrolar do filme, somos apresentados a depoimentos de Barthes, numa espécie de mocumentary. Nesses depoimentos, sua voz se torna cada vez mais grave e seu olhar cada vez mais melancólico. Durante o filme, alguns flashbacks de infância dão pistas sobre o passado devastador de seu protagonista e logo ficamos sabendo que nosso herói é mais uma vitima torturada pela miséria da vida. É justamente esse elemento que humaniza Barthes e compele o espectador à empatia, uma vez que o caráter magnânimo com o qual ele enfrenta a falência social parece torná-lo uma espécie de santo intocável, o que, não fosse justamente o contraponto dado por seu passado, acabaria por gerar a apatia do publico.
Afora alguns momentos onde seu discurso flerta com uma auto-ajuda barata, o personagem principal, bem como todos os outros a sua volta, é muito convincente e só faz é reforçar a noção de que nós, enquanto humanos, estamos caminhando para a falência de nossas qualidades essenciais.
Esse sentimento de implosão eminente, como se esse fosse um sistema insustentável, tem muito em comum com o sentimento gerado por filmes premiados mundo afora como o francês Entre os Muros da Escola, donde Desapego muito se inspira esteticamente, e com os documentários de Michael Moore.
Ao fim da sessão, no entanto, ao contrário de Entre os Muros ou dos filmes de Moore, não ficamos com a sensação de um aviso, nem tampouco somos impelidos a tomar uma atitude contra a corrupção de caráter gerada pelo dia a dia. Isso porque Desapego não é um alerta para a humanidade nem panfletagem política, é, sim, uma constatação triste e melancólica de nossa atual realidade.
Esse sentimento de implosão eminente, como se esse fosse um sistema insustentável, tem muito em comum com o sentimento gerado por filmes premiados mundo afora como o francês Entre os Muros da Escola, donde Desapego muito se inspira esteticamente, e com os documentários de Michael Moore.
Ao fim da sessão, no entanto, ao contrário de Entre os Muros ou dos filmes de Moore, não ficamos com a sensação de um aviso, nem tampouco somos impelidos a tomar uma atitude contra a corrupção de caráter gerada pelo dia a dia. Isso porque Desapego não é um alerta para a humanidade nem panfletagem política, é, sim, uma constatação triste e melancólica de nossa atual realidade.
Uma realidade, muito provavelmente, irreparável.
E a Mostra continua...
E a Mostra continua...
2 comentários:
Olá, um amigo meu assistiu este filme(desapego) na mostra e se encantou...onde eu poderia conseguir uma cópia deste filme? Ou talvez baixar, ou pelo menos assistir...risos! Obrigado!LEVI
Oba, então, procurei pela internet um download dele e não encontrei tb! Mas, se você esperar um tempo ele deve ser lançado aqui no Brasil em DVD até a metade do ano que vem, acredito eu, considerando que ele ganhou o Prêmio do Público na Mostra.
Se quiser assistir antes, bem, você pode tentar ficar procurando pela internet pelo título em inglês; facilita a busca se você for baixar em torrent, também!
Coloca no Google "Detachment Torrent"!
Boa sorte ai! Abraço
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