Com uma dinâmica de câmera que por vezes remete aos campos de batalha de Glória Feita de Sangue ou, até mesmo, aos plantões médicos de ER, Boa Noite e Boa Sorte coloca seu espectador em meio a ação dos bastidores televisivos dos anos 50.
Aqui, com uma incrível sensibilidade para a direção, George Clooney manipula as técnicas cinematográficas em favor do que a narrativa requer. Sendo esse o caso, Clooney estrutura um filme linear, com uma decupagem clássica, sem qualquer firula que possa desviar a atenção do espectador para aquilo que realmente importa, ou seja, a ação dos personagens e seus diálogos.
Boa Noite e Boa Sorte é uma espécie de documento do passado, muito bem encenado nos dias de hoje, que diz respeito ao esforço de alguns poucos homens em garantir a liberdade individual e os direitos constitucionais do cidadãos americanos, uma vez que ameaçados pelas sandices do Senador McCarthy e sua caça as bruxas.
Munidos com nada, senão suas próprias palavras, um grupo de jornalistas da rede CBS decide confrontar os meios empregados pelo senador em sua campanha contra membros dos partidos comunistas nos EUA. O porta-voz dessa empreitada, Ed Murrow (David Strathairn), é um veterano apresentador de rádio e televisão, reconhecido por sua notória cobertura dos eventos da 2ª G.M.
Entregando uma performance muito direta e sutil, Strathairn, com seu pesado semblante, traduz em olhares todo o peso de confrontar um dos maiores políticos americanos da época.
Mas se a capacidade de entregar as mais diversas emoções apenas com um olhar é um feito para Strathairn, esse é um mérito que ele divide com todos seus companheiros de elenco. Entenda, esses jornalistas retratados são homens que compreendem muito bem os riscos de se atacar McCarthy, reconhecendo entre esses riscos, inclusive, a possibilidade de irem para a cadeia.
Sem que jamais anunciem, portanto, esses homens trazem no olhar todo o peso e a crescente ansiedade que carregam consigo (maior à medida que levam ao ar ataques diretos e pessoais ao senador).
Nesse ponto encontramos não só a sutileza de todos os atores em cena mas também a de Clooney ao direcionar seu filme para a busca de dramas sensíveis e refinados, levando o espectador a se preocupar com as dificuldades internas de cada um desses homens.
Por certo, podemos dizer que a jornada desses homens é uma crescente batalha contra um fenômeno que ameaça a vida livre na América; uma batalha que é lutada através do afiado discurso de Murrow, capaz de apresentar argumentos factuais em réplica aos vazios ataques de McCarthy.
Num conjunto de coisas, Boa Noite e Boa Sorte é uma obra extremamente bem realizada, de uma delicadeza incrível na abordagem de sua trama e de um ótimo gosto estético.
Ao que me parece, o filme tem apenas um defeito relevante, que reside na construção do roteiro e diz respeito à uma sub-trama protagonizada por Robert Downey Jr. como o jornalista Joe Wershba. Aqui, o filme nos apresenta um pequeno conflito envolvendo Wershba e sua esposa, ambos empregados da CBS, que, por sua vez, proíbe o relacionamento entre funcionários. Sem qualquer importância para a história ou para o interesse do publico, esse é o único ponto negativo do filme.
Boa Noite e Boa Sorte, o titulo do filme, é uma citação da frase de despedida de Murrow, reprisada ao fim de cada uma de suas transmissões, e essa é uma frase muito significativa, tanto mais pela entonação de Strathairn, que traz na voz a consciência dos riscos em fazer o que vem fazendo.
Ao que se despede, após trazer fatos e mais fatos sobre um lunático que constrói seu caminho rumo ao poder, Murrow, um homem que reconhece os perigos de gente como McCarthy, e vê nele o mesmo potencial de pessoas como Hitler ou Mussolini, entende que talvez não reste para a humanidade qualquer outra opção senão a própria sorte.
É de um certo modo, portanto, muito comovente ouvir essas palavras.
Boa Noite e Boa Sorte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário