30 janeiro, 2013

O Impossível


Em 1976, o mestre Sidney Lumet, com seu filme Rede de Intrigas, trouxe à tona um importante debate sobre o papel sensacionalista e exploratório da mídia. Nele, Peter Finch interpreta Howard Beale, ancora de um semifalido canal de TV, que sofre um colapso emocional em frente as câmeras. A resposta imediata a esse evento, por parte dos homens que comandam o canal, é a de tirar Beale do ar. O primeiro a mostrar-se preocupado com a integridade emocional de Beale é seu amigo de longa data, e chefe do departamento jornalístico do canal, Max Schumacher (William Holden). Schumacher vem de um tempo onde integridade moral desempenha um papel mais importante do que altos índices de audiência. Infelizmente, esse não é o caso para a novata Diana Christensen (Faye Dunaway), que não vê problemas em sujar as mãos para conseguir tomar o lugar de Schumacher como chefe do departamento jornalístico do canal. Em face do pico de audiência que o colapso de Beale atingira, ela segue a direção oposta da velha guarda do canal e passa a explorar o drama pessoal de um homem completamente atormentado, colocando-o no ar diariamente, para soltar gritos de desespero e conquistar mais e mais espectadores. Se para os antigos tal drama pessoal concerne somente àquele homem e deve ser mantido em sigilo afim de preservá-lo, para toda uma nova geração de produtores e espectadores esse drama deve ser transformado em espetáculo e vendido às oito da noite no canal local.

Em 2012, Juan Antonio Bayona nos oferece um filme que nada tem a dizer e só faz afirmar o que Lumet anunciara mais de trinta anos atrás. Com um elenco todo formado por loirinhos britânicos, “O Impossível” narra a real história de sobrevivência de uma família espanhola no tsunami que atingiu a Ásia em 2004. A história toda se resume em uma linha: em meio a tragédia, o pai e seus dois filhos mais novos se perdem da mãe e do filho mais velho o que põe os dois lados a procurar um pelo outro. No final do filme eles se encontram e vivem felizes para sempre.

Em se tratando de uma história tão simples, que podia ser contada em uma rápida conversa à mesa do café ou noticiada numa chamada de 2 minutos no jornal da manhã, o que então é narrado ao decorrer de 114 minutos?

Simples, a jornada de busca de uns pelos outros, com direito a muitos e muitos close-ups nos lacrimejantes olhos azuis de Ewan McGregor, Naomi Watts – a sofrida – e seus lindos filhinhos loiros. Os mais tolos dirão que essa é a história de superação de uma família que mostra a força do espírito humano diante de uma tragédia. Seguirão dizendo que pouco tem a ver com o tsunami ocorrido na Ásia e que trata, em realidade, do amor como força inabalável. Sim, é verdade. E é tudo isso que o diretor espera vender para o povo. E ele consegue.

A mim, no entanto, parece vergonhosa a tentativa de ocidentalizar uma tragédia que pertence ao povo asiático, esvaziando-a de sentido e desconsiderando todo o efeito que teve sobre aquela população, focando a ação do desastre sobre uma única família que em nada representa a grande maioria afetada pelo tsunami.

Ao que me parece, Hollywood está sofrendo uma escassez de tragédias. Quero dizer, o 11 de Setembro, o Apartheid, os massacres em escolas e afins, já se esgotaram. Não há mais meio de se arrancar lágrimas com esses eventos – não vou nem comentar o Holocausto –. Pelo jeito, chegou-se, realmente, ao ponto de importarem tragédias.

Se há algum mérito em toda a produção, ele é entregue no trailer. Estou falando da sequência em que o tsunami ocorre. É verdadeiramente impressionante a construção visual e sonora da coisa toda. Do mais, justamente o design de som, em especial no começo do filme, elaborado por Oriol Tarragó, é extremamente eficaz em associar barulhos como os da turbina de um avião ao desastre porvir, como que numa antecipação angustiante do evento.

Fora a singularidade desses feitos técnicos, todo o resto é uma peça de sensacionalismo barato. Um jornalismo ficcional pobre e desrespeitoso com o único propósito de lucrar com lágrimas da mais desprezível comoção.

A propósito, no final de Rede de Intrigas Howard Beale é morto por um tiro diante de uma platéia que o assiste impassível. Não posso deixar de notar uma estranha semelhança entre esta platéia e os espectadores da recente sessão de “O Impossível” a que fui assistir. 


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