Concordo com o que Emerson
escreve. Acho insuficiente, porém, dizer que todos os entusiasmados pelo cinema
de Peckinpah ou Sergio Leone serão admiradores incondicionais do cinema de
Tarantino. Pelo que percebo, só os espectadores mais preguiçosos (grande
maioria) é que terão QT como o grande mestre da violência cinematográfica do
século 21. Entenda, entre fazer sangue jorrar, à uma violência substancial, há
um longo caminho a ser percorrido. Caminho esse do qual Tarantino vem se
distanciando mais e mais a cada filme.
Quando você pega um filme
como Cães de Aluguel, ou até mesmo Pulp Fiction em sua estrutura episódica,
você percebe imediatamente que a emergência criativa do diretor se deve ao
entusiasmo pela violência, em seu potencial estético. Porém, ainda que seja o
fio condutor dessas obras, a violência jamais compromete o potencial da
história ou dos personagens. Isso porque, nesses filmes, ela é posta como
cenário e não como objeto central da trama. Quando esse processo se inverte,
porém, e você começa a ter personagens que são verdadeiras marionetes de um
espetáculo visual à serviço da violência como único elemento catártico (caso
dos filmes mais recentes de Tarantino), o que se tem é um amontoado de colagens
e referências que desvirtuam a essência do bom cinema – a trama –.
Eis o caso de Django
Unchained. Dizem por aí que que este é um western sobre a escravidão no sul dos
Estados Unidos, temática que vem causando certo rebuliço e discussão lá. Mas
não é verdade que seja. O pano de fundo aqui poderia ser o extermínio dos
indíos norte-americanos no século XIX, tendo o nosso protagonista o nome de Hehewuti,
ou até mesmo uma guerra entre marcianos e humanos colonizados. De uma forma ou
de outra, Hehewuti Unchained seria, essencialmente, o mesmo filme que está em
cartaz nos cinemas agora. Isso porque não há profundidade naquilo que está
sendo tratado. Tudo o que vemos em tela não passa de esboço, um espaço em
branco para os delírios estéticos de um diretor deslumbrado. E por um lado isso não me incomoda tanto, os filmes de Tarantino são uma diversão passageira,
um nada a dizer que tem certa graça nos diálogos aguçados e nas reviravoltas de
situações extremas. Acontece que eu já vi Bastardos Inglórios. Daí minha
preguiça em assistir a mesma coisa de volta. Quero dizer, da primeira vez eu
pensei “olha que legal, pessoalzinho se vingando dos cretinos históricos lá na
Alemanha nazista” e agora é “olha que legal, pessoalzinho se vingando dos
cretinos históricos na América escravagista”.
Ainda assim, em Bastardos
Inglórios temos a tensão magistral do prólogo, com a família de Shoshana
(Mélaine Laurent) escondida sob o assoalho de uma casa enquanto o Cel. Landa
(Christoph Waltz) interroga o dono da casa. Mesma tensão que se repete na cena
onde oficiais aliados jogam cartas em um bar com soldados alemães. E, mesmo em
Bastardos, há uma empatia pela personagem que perdeu a família toda nas mãos do
cruel Landa. Você torce pela vingança dela e não é nada mal que essa vingança
venha banhada pelo sangue de Hitler. Ainda que seja um filme raso, é bem
construído.
De toda maneira, se ainda
havia momentos e personagens louváveis em Bastardos Inglórios, tudo isso sumiu
de vez em Django Unchained.
Quero dizer, quando reparamos
que não há a menor tentativa de criar um passado com apelo dramático para
Django (Jamie Foxx), tentando gerar empatia por meros flashbacks com sua amada
esposa que lhe fora tirada pelos donos de terra, torna-se impossível torcer por
sua vingança. Como não nos importamos nem um pouco com esse personagem, sua
jornada se torna monótona e despropositada, não há tensão, não há expectativa e
não há clímax. O que dizer do encontro entre Django e Broomhilda (Kerry
Washington)?
Por isso tudo, fica ainda
mais patética a cena em que o companheiro alemão de Django, Dr. Schultz
(Christoph Waltz), lhe conta a lenda de Broomhilda e seu amado Siegfried, que a
salva do alto de uma montanha guardada por um dragão. Em uma cena, Tarantino
tenta fazer o que não é capaz de fazer por todo o decorrer do filme,
estabelecer seu personagem como um herói crível, dono de uma jornada nobre.
Ainda que ele próprio não acredite nisso. E se não acredita é porque está mais
preocupado em pintar tudo de sangue.
E como eu disse antes, não há
nada de mal nisso. Não me incomoda tanto que a cada filme que faça suas
intenções fiquem mais pobres e superficiais. O que me incomoda é que público e
crítica insistam em levá-lo a sério, quando ele próprio não se leva.
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