22 janeiro, 2013

Hehewuti Unchained




Jim Emerson, colunista do Chicago Sun-Time, em sua recente análise de Django Unchained, escreveu que os filmes do Tarantino são a mistura pop de tudo aquilo que ele assiste e aprecia. Disso, Emerson conclui que para efeitos de apreciação das obras de Tarantino o espectador deve partilhar do mesmo “gosto” cinematográfico do diretor.

Concordo com o que Emerson escreve. Acho insuficiente, porém, dizer que todos os entusiasmados pelo cinema de Peckinpah ou Sergio Leone serão admiradores incondicionais do cinema de Tarantino. Pelo que percebo, só os espectadores mais preguiçosos (grande maioria) é que terão QT como o grande mestre da violência cinematográfica do século 21. Entenda, entre fazer sangue jorrar, à uma violência substancial, há um longo caminho a ser percorrido. Caminho esse do qual Tarantino vem se distanciando mais e mais a cada filme.

Quando você pega um filme como Cães de Aluguel, ou até mesmo Pulp Fiction em sua estrutura episódica, você percebe imediatamente que a emergência criativa do diretor se deve ao entusiasmo pela violência, em seu potencial estético. Porém, ainda que seja o fio condutor dessas obras, a violência jamais compromete o potencial da história ou dos personagens. Isso porque, nesses filmes, ela é posta como cenário e não como objeto central da trama. Quando esse processo se inverte, porém, e você começa a ter personagens que são verdadeiras marionetes de um espetáculo visual à serviço da violência como único elemento catártico (caso dos filmes mais recentes de Tarantino), o que se tem é um amontoado de colagens e referências que desvirtuam a essência do bom cinema – a trama –.

Eis o caso de Django Unchained. Dizem por aí que que este é um western sobre a escravidão no sul dos Estados Unidos, temática que vem causando certo rebuliço e discussão lá. Mas não é verdade que seja. O pano de fundo aqui poderia ser o extermínio dos indíos norte-americanos no século XIX, tendo o nosso protagonista o nome de Hehewuti, ou até mesmo uma guerra entre marcianos e humanos colonizados. De uma forma ou de outra, Hehewuti Unchained seria, essencialmente, o mesmo filme que está em cartaz nos cinemas agora. Isso porque não há profundidade naquilo que está sendo tratado. Tudo o que vemos em tela não passa de esboço, um espaço em branco para os delírios estéticos de um diretor deslumbrado. E por um lado isso não me incomoda tanto, os filmes de Tarantino são uma diversão passageira, um nada a dizer que tem certa graça nos diálogos aguçados e nas reviravoltas de situações extremas. Acontece que eu já vi Bastardos Inglórios. Daí minha preguiça em assistir a mesma coisa de volta. Quero dizer, da primeira vez eu pensei “olha que legal, pessoalzinho se vingando dos cretinos históricos lá na Alemanha nazista” e agora é “olha que legal, pessoalzinho se vingando dos cretinos históricos na América escravagista”.

Ainda assim, em Bastardos Inglórios temos a tensão magistral do prólogo, com a família de Shoshana (Mélaine Laurent) escondida sob o assoalho de uma casa enquanto o Cel. Landa (Christoph Waltz) interroga o dono da casa. Mesma tensão que se repete na cena onde oficiais aliados jogam cartas em um bar com soldados alemães. E, mesmo em Bastardos, há uma empatia pela personagem que perdeu a família toda nas mãos do cruel Landa. Você torce pela vingança dela e não é nada mal que essa vingança venha banhada pelo sangue de Hitler. Ainda que seja um filme raso, é bem construído.

De toda maneira, se ainda havia momentos e personagens louváveis em Bastardos Inglórios, tudo isso sumiu de vez em Django Unchained.

Quero dizer, quando reparamos que não há a menor tentativa de criar um passado com apelo dramático para Django (Jamie Foxx), tentando gerar empatia por meros flashbacks com sua amada esposa que lhe fora tirada pelos donos de terra, torna-se impossível torcer por sua vingança. Como não nos importamos nem um pouco com esse personagem, sua jornada se torna monótona e despropositada, não há tensão, não há expectativa e não há clímax. O que dizer do encontro entre Django e Broomhilda (Kerry Washington)?

Por isso tudo, fica ainda mais patética a cena em que o companheiro alemão de Django, Dr. Schultz (Christoph Waltz), lhe conta a lenda de Broomhilda e seu amado Siegfried, que a salva do alto de uma montanha guardada por um dragão. Em uma cena, Tarantino tenta fazer o que não é capaz de fazer por todo o decorrer do filme, estabelecer seu personagem como um herói crível, dono de uma jornada nobre. Ainda que ele próprio não acredite nisso. E se não acredita é porque está mais preocupado em pintar tudo de sangue.

E como eu disse antes, não há nada de mal nisso. Não me incomoda tanto que a cada filme que faça suas intenções fiquem mais pobres e superficiais. O que me incomoda é que público e crítica insistam em levá-lo a sério, quando ele próprio não se leva.

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