07 janeiro, 2011

O Pequeno Fogueteiro


Exemplar ao alto. Da esquina, o grito do jovem jornaleiro anunciava a morte do Pequeno Fogueteiro.

Tristes olhos estampados na capa. A manchete confirmava – A CAÇADA CHEGOU AO FIM, PEQUENO FOGUETEIRO É MORTO A TIROS, PELA POLÍCIA -.

Acompanhados de suas senhoras, os cavalheiros lançavam uma moeda ao jornaleiro. E a noticia corria a cidade. A segurança dos nobres era retomada.

Na praça, as crianças reencenavam o ato; armadas de gravetos, cuspiam fogo no gordinho da turma, o pequeno fogueteiro. E como eram tristes os olhos do garoto gordo, em sua morte forjada.

Nada de julgamento, chance alguma ao pequeno fogueteiro. Os olhos tristes e sem vida, que agora estampavam todas as manchetes de jornais, não tiravam juízo da morte, nem tampouco da vida que a antecedera.

Era como se morresse sem entender o motivo. Isso fez a ira de toda a cidade. O modo como o criminoso parecia não reconhecer o crime.

Como o cão que falha em ser obediente, o Pequeno Fogueteiro morria inocente.

Inocentado pelo retrato de seu momento final.

À sua defesa vieram alguns colegas de picadeiro.

Em pequeno palanque, montado na praça central, o mímico ilustrava as palavras do palhaço chorão, que cantava a tristeza do solitário colega, de habito incendiário. Aquela, mais ao canto do palanque, a que chorava tanto, de borrar maquiagem, ex-assistente de Nicolai, nome artístico do Pequeno Fogueteiro, era consolada pelo gigante que lhe acariciava a cabeça, dando a sensação de que fosse esmagá-la como a uma laranja.

E era com laranjas, e maças e repolhos, e ovos e o que mais que fosse, que eram recebidos os amigos do assassino.

E cantavam, ainda assim, em defesa.

Oh, Nicolai,

o Pequeno Fogueteiro, de tardes alegres,

ovacionado pelo publico

que assistia fascinado ao

teu espetáculo

Oh, Nicolai,

de noites solitárias

e olhos d’água

e que coração triste,

e que vida amarga.

E o dia que o Carranca,

sujeito baixinho, bigode fino

e pança larga

te chutou a bunda baixa pra longe do circo amado.

O coração triste

não sabia do mundo.

Veio à luz por mãe contorcionista,

filho de pai malabarista.

Ainda menor,

já veio filho do circo.

Te faltou rumo,

e teu norte eram teus fogos.

E como voavam aquelas casas,

e como eram belos teus shows pela cidade

capaz de iluminar as noites mais escuras, deste lugar

frio

e duro.

E choviam móveis, e comida

e as casas sem gente

cuspiam tudo pra fora

e lá de longe,

do circo armado nas montanhas,

teu espetáculo era belo, fogueteiro.

Ainda que chorasse, e chorasse

e ah,

como chorava a dona de casa.

Nada como tua luz,

que tudo iluminava.

Teus olhos, sem vida

nada entenderam,

mas teu espírito

e não teu juízo

é que era odioso,

pobre fogueteiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

O que mais, senão magistral? Grande produção, com cheiro e imagem de alguém que tem o cinema como ponto de partida. Algo de teatro mambembe onde a descrição é quase que cognitiva . O apelo social que deve ter sido teu ponto de partida sucumbiu diante do brilhantismo da narrativa. Um dos melhores textos que leio nos últimos tempos.Abrç!

Fábio Zen