Exemplar ao alto. Da esquina, o grito do jovem jornaleiro anunciava a morte do Pequeno Fogueteiro.
Tristes olhos estampados na capa. A manchete confirmava – A CAÇADA CHEGOU AO FIM, PEQUENO FOGUETEIRO É MORTO A TIROS, PELA POLÍCIA -.
Acompanhados de suas senhoras, os cavalheiros lançavam uma moeda ao jornaleiro. E a noticia corria a cidade. A segurança dos nobres era retomada.
Na praça, as crianças reencenavam o ato; armadas de gravetos, cuspiam fogo no gordinho da turma, o pequeno fogueteiro. E como eram tristes os olhos do garoto gordo, em sua morte forjada.
Nada de julgamento, chance alguma ao pequeno fogueteiro. Os olhos tristes e sem vida, que agora estampavam todas as manchetes de jornais, não tiravam juízo da morte, nem tampouco da vida que a antecedera.
Era como se morresse sem entender o motivo. Isso fez a ira de toda a cidade. O modo como o criminoso parecia não reconhecer o crime.
Como o cão que falha em ser obediente, o Pequeno Fogueteiro morria inocente.
Inocentado pelo retrato de seu momento final.
À sua defesa vieram alguns colegas de picadeiro.
Em pequeno palanque, montado na praça central, o mímico ilustrava as palavras do palhaço chorão, que cantava a tristeza do solitário colega, de habito incendiário. Aquela, mais ao canto do palanque, a que chorava tanto, de borrar maquiagem, ex-assistente de Nicolai, nome artístico do Pequeno Fogueteiro, era consolada pelo gigante que lhe acariciava a cabeça, dando a sensação de que fosse esmagá-la como a uma laranja.
E era com laranjas, e maças e repolhos, e ovos e o que mais que fosse, que eram recebidos os amigos do assassino.
E cantavam, ainda assim, em defesa.
Oh, Nicolai,
o Pequeno Fogueteiro, de tardes alegres,
ovacionado pelo publico
que assistia fascinado ao
teu espetáculo
Oh, Nicolai,
de noites solitárias
e olhos d’água
e que coração triste,
e que vida amarga.
E o dia que o Carranca,
sujeito baixinho, bigode fino
e pança larga
te chutou a bunda baixa pra longe do circo amado.
O coração triste
não sabia do mundo.
Veio à luz por mãe contorcionista,
filho de pai malabarista.
Ainda menor,
já veio filho do circo.
Te faltou rumo,
e teu norte eram teus fogos.
E como voavam aquelas casas,
e como eram belos teus shows pela cidade
capaz de iluminar as noites mais escuras, deste lugar
frio
e duro.
E choviam móveis, e comida
e as casas sem gente
cuspiam tudo pra fora
e lá de longe,
do circo armado nas montanhas,
teu espetáculo era belo, fogueteiro.
Ainda que chorasse, e chorasse
e ah,
como chorava a dona de casa.
Nada como tua luz,
que tudo iluminava.
Teus olhos, sem vida
nada entenderam,
mas teu espírito
e não teu juízo
é que era odioso,
pobre fogueteiro.
Um comentário:
O que mais, senão magistral? Grande produção, com cheiro e imagem de alguém que tem o cinema como ponto de partida. Algo de teatro mambembe onde a descrição é quase que cognitiva . O apelo social que deve ter sido teu ponto de partida sucumbiu diante do brilhantismo da narrativa. Um dos melhores textos que leio nos últimos tempos.Abrç!
Fábio Zen
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